Da poetisa austríaca
à poetisa russa vai este curto poema sobre a questão da verdade e o uso das
palavras com forma de manipulação do discurso sobre a realidade vivenciada,
algo que se poderia deduzir pelas entrelinhas de uma maquinal parola. Correr o
risco de externar a verdade, subscrevendo o que se pronuncia, mesmo sob o risco
da própria existência – tal é o grave dilema subjacente aos infratranscritos
versos.
Consigne-se que
Bachmann conheceu Achmatova em Roma (IT), em 1964, e, muito provavelmente teve
ciência do silêncio a ela imposto pelo regime soviético, daí porque um mutismo
da espécie – um silêncio “de verdade” –, ensejador de “uma palavra atravessada
na garganta”, diante das circunstâncias, acaba por se tornar ainda mais
eloquente.
J.A.R. – H.C.
Ingeborg Bachmann
(1926-1973)
Wahrlich
Für Anna Achmatova
Wenn es ein Wort nie
verschlagen hat,
und ich sage es euch,
wer bloss sich zu
helfen weiss
und mit den Worten –
dem ist nicht zu
helfen.
Über den kurzen Weg
nicht
und nicht über den
langen.
Einen einzigen Satz
haltbar zu machen,
auszuhalten in dem
Bimbam von Worten.
Es schreibt diesen
Satz keiner,
der nicht
unterschreibt.
O começo do tempo
(Marina Venediktova:
artista russa)
De Verdade
Para Anna Achmatova
Quem nunca teve uma
palavra atravessada
na garganta,
e eu vos digo,
quem apenas sabe
arranjar ajuda
e com as palavras –
a esse não se pode
ajudar.
Nem pelo caminho
curto
nem pelo longo.
Tornar durável uma
única frase,
aguentar no
palavrório.
Não escreve esta
frase ninguém
senão quem a
subscreve.
Referência:
BACHMANN, Ingeborg. Wahrlich
/ De verdade. Tradução de Vera Lins e Friedrich Frosch. Cacto: poesia
& crítica, São Paulo (SP), n. 2, p. 134-135, outono 2003. Em alemão: p.
134; em português: p. 135.
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