Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 21 de julho de 2022

Ingeborg Bachmann - De Verdade

Da poetisa austríaca à poetisa russa vai este curto poema sobre a questão da verdade e o uso das palavras com forma de manipulação do discurso sobre a realidade vivenciada, algo que se poderia deduzir pelas entrelinhas de uma maquinal parola. Correr o risco de externar a verdade, subscrevendo o que se pronuncia, mesmo sob o risco da própria existência – tal é o grave dilema subjacente aos infratranscritos versos.

 

Consigne-se que Bachmann conheceu Achmatova em Roma (IT), em 1964, e, muito provavelmente teve ciência do silêncio a ela imposto pelo regime soviético, daí porque um mutismo da espécie – um silêncio “de verdade” –, ensejador de “uma palavra atravessada na garganta”, diante das circunstâncias, acaba por se tornar ainda mais eloquente.

 

J.A.R. – H.C.

 

Ingeborg Bachmann

(1926-1973)

Wahrlich

 

Für Anna Achmatova

 

Wenn es ein Wort nie verschlagen hat,

und ich sage es euch,

wer bloss sich zu helfen weiss

und mit den Worten –

 

dem ist nicht zu helfen.

Über den kurzen Weg nicht

und nicht über den langen.

 

Einen einzigen Satz haltbar zu machen,

auszuhalten in dem Bimbam von Worten.

 

Es schreibt diesen Satz keiner,

der nicht unterschreibt.

 

O começo do tempo

(Marina Venediktova: artista russa)

 

De Verdade

 

Para Anna Achmatova

 

Quem nunca teve uma palavra atravessada

na garganta,

e eu vos digo,

quem apenas sabe arranjar ajuda

e com as palavras –

 

a esse não se pode ajudar.

Nem pelo caminho curto

nem pelo longo.

 

Tornar durável uma única frase,

aguentar no palavrório.

 

Não escreve esta frase ninguém

senão quem a subscreve.

 

Referência:

 

BACHMANN, Ingeborg. Wahrlich / De verdade. Tradução de Vera Lins e Friedrich Frosch. Cacto: poesia & crítica, São Paulo (SP), n. 2, p. 134-135, outono 2003. Em alemão: p. 134; em português: p. 135.

Nenhum comentário:

Postar um comentário