Este inusitado poema centra-se
nas possibilidades poéticas das listas de erratas, comumente empregadas em
obras literárias e científicas para impor bom termo às suas redações. Com
efeito, nas anáforas manejadas pelo poeta percebe-se a busca de cambiar diversos
símbolos por outros que se lhes equivalham e que façam mais sentido aos
destinatários da mensagem.
São transformadas de conteúdo
para capturar o significado último de um mito, de uma legenda, de uma metáfora,
de uma tradição, embrenhando-se mais além do que a própria linguagem, com o
fito de desvelar liames primordiais em nossas experiências, aquelas coisas que percutem
renitentemente aos ouvidos, sem que nos obstinemos em convertê-las em palavras
grafadas nos tomos.
J.A.R. – H.C.
Charles Simic
(n. 1938)
Errata
Where it says snow
read teeth marks of a
virgin
Where it says knife
read
you passed through my
bones
like a police whistle
Where it says table
read horse
Where it says horse
read my migrant’s bundle
Apples are to remain
apples
Each time a hat
appears
think of Isaac Newton
reading the Old
Testament
Remove all periods
They are scars made
by words
I couldn’t bring
myself to say
Put a finger over
each sunrise
it will blind you
otherwise
That damn ant is
still stirring
Will there be time
left to list
all errors to replace
all hands guns owls
plates
all cigars ponds
woods and reach
that beer bottle my greatest
mistake
the word I allowed to
be written
when I should have
shouted
her name
Skylands
(Rob Schouten:
artista holandês)
Errata
Onde está neve
leia marcas de dentes
de uma virgem
Onde está faca leia
você transpassou meus
ossos
como um apito de polícia
Onde está mesa leia
cavalo
Onde está cavalo leia
minha trouxa de migrante
Maçãs devem continuar
maçãs
Cada vez que surge um
chapéu
pense em Isaac Newton
lendo o Velho
Testamento
Elimine todos os
períodos
Eles são cicatrizes
feitas de palavras
que não me atrevi a
dizer
Meta um dedo em cada
aurora
do contrário ela o
cegará
A maldita formiga
ainda se mexe
Há de haver o tempo
certo para listar
todos os erros para
substituir
todas as mãos armas
corujas pratos
todos os charutos
poças paus e alcançar
aquela garrafa de
cerveja meu maior engano
a palavra que deixei
ser escrita
quando devia ter
gritado
o nome dela
Referência:
SIMIC, Charles.
Errata / Errata. Tradução de Fabio Weintraub e Ricardo Rizzo. Cacto: poesia
& crítica, São Paulo (SP), n. 3, p. 80-81, primavera 2003. Em inglês: p.
80; em português: p. 81.
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário