Com algumas manobras no
fluxo textual, provocadas por hipérbatos e mesmo por formas verbais pouco
empregadas, o poeta nos confidencia que os poemas que redige são “sobras de ser
ele poesia em si próprio”, um estado decantado de palavras a denotar suas intuições
prévias, tal que as linhas gravadas no papel possam antever coisas ainda não materializadas,
como musgos verde-mar.
Os poemas, se assumem
formas claras, tornam as evidências deles hauridas um afadigar-se sem propósitos
mais elevados; se obscuros, faltam-lhes a maturação necessária para as descobertas:
o poeta, feito um anjo, planando às soltas sobre o terreno da labuta literária,
busca tanger tudo quanto intocado, sem antecipar debalde os gestos inaugurais
que presidem o poema.
J.A.R. – H.C.
Cais de Rouen
(Camile Pissaro:
pintor francês)
Confidência
O poema onde a intuição
musgos descobre
não sidos
Os que são claros
poemas me afadigam
de evidências
Obscuros os poemas
que são em si
imaturos para as
descobertas
Os que deixam no rumo
dos trilhos
as tangentes das
distâncias
E os que não ousam
sequer tocar
as presenças intatas
E os que são puras
antecipações
dos gestos inaugurais
O musgo verde-mar
cinge a fronte do Anjo
que preside à Poesia
não sida
Meu poema é o que
sobra de eu ser
Poesia em mim
Carruagens Ferroviárias
(Vincent van Gogh:
pintor holandês)
Referência:
CAMPOS, Guilherme de.
Confidência. In: __________. A procura do autêntico. Rio de Janeiro:
Livraria São José, dez. 1958. p. 124.
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