Perguntas, indagações,
perquirições, decerto de uma criança, filha da falante, acerca do que se
configura como uma situação “para a vida inteira”, logo deslindada como “para
sempre”, e daí, em razão de nova interpelação, convertida num amplo abrir de
braços, isto para não se incorrer em explicações complicadas demais, a exemplo
de “universos paralelos” ou “conjunções
e disjunções de espaço e tempo”, com o que se adentraria o facundo mundo da
Física, dando ensejo a um provável (e interminável) rol de novos questionamentos.
A morte seria o
elemento mais evidente para pôr fim à contenda. Contudo, a voz lírica não se dispôs
a apresentá-la à guria, certamente por ser esta ainda bastante “verde” para
compreendê-la e assimilá-la a contento, motivo por que, como se disse, passou a
especular sobre outros móbeis.
A dilação da condição
de “para a vida inteira” até o dia seguinte, na mente da criança, revela o
ponto até onde ela foi capaz de captar a ideia segundo as palavras que lhe foram
dirigidas: de repente, não mais que de repente, algo me fez associar o
encadeamento de raciocínios e conclusão às historinhas que se contam na seção “Essas
crianças... (o mundo do ponto de vista delas)”, da revista “Seleções”, da
Reader’s Digest. (rs)
J.A.R. – H.C.
Ana Luísa Amaral
(n. 1956)
Silogismos
A minha filha
perguntou-me
o que era para a vida
inteira
e eu disse-lhe que
era para sempre.
Naturalmente, menti,
mas também os
conceitos de infinito
são diferentes: é que
ela perguntou depois
o que era para sempre
e eu não podia
falar-lhe em universos
paralelos, em
conjunções e disjunções
de espaço e tempo,
nem sequer em morte.
A vida inteira é até
morrer,
mas eu sabia ser
inevitável a questão
seguinte: o que é
morrer?
Por isso respondi que
para sempre
era assim largo, abri
muito os braços,
distraí-a com o jogo
que ficara a meio.
(No fim do jogo todo,
disse-me que amanhã
queria estar comigo
para a vida inteira)
Árvore da Vida
(Laura Shepler:
pintora norte-americana)
Referência:
AMARAL, Ana Luísa.
Silogismos. In: __________. The art of being a tiger: poems. A bilingual
editon: Portuguese x English. Translation by Margaret Jull Costa. Introduction
by Paulo de Medeiros. Oxford, EN: Oxbow Books, 2016. p. 86. (‘Aris &
Phillips Hispanic Classics’)
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