O poeta põe-se a
contemplar sua companheira ao sair do banho, ao modo dos anciãos bíblicos a
Susana (Dan. 13): as delícias do sexo gravam-se no poema como se as palavras
fossem vertidas em versos por meio de um pincel, pois as referências artísticas
são todas alusivas a obras de grandes pintores franceses, sobretudo do período
neoclássico.
Há boa dose de humor a
perpassar estas linhas, pois, em última instância, se propõe alternância entre
o redigir poemas e a prática do sexo: a voz lírica se reserva o direito de
prevalência a este último compromisso, deixando, entrementes, o poema à espera.
Ou como se expressa: “Escreverei um poema quando já estiver morta a arte do
desejo”. Até lá, haverá de consultar um “catedrático em Anatomia”!
J.A.R. – H.C.
Guillermo Carnero
(n. 1947)
El Poema No Escrito
Me gusta contemplarte
al salir de la ducha,
como a Susana los
ancianos bíblicos.
Por la puerta
entornada te acecho cuando envuelves
en la toalla el muslo
o el tobillo,
el pecho rebosante
tras la línea del brazo:
odaliscas de Ingres,
pastoras de Boucher
cálidas, sosegadas,
inocentes,
ninfas de Bouguereau,
esclavas de Gérôme,
Venus de Cabanel – horizontal
espuma –,
tan redonduelamente
comestibles.
Tendrá un nombre ese
pliegue de la axila
que se bifurca en dos
entre los dientes;
el leve mofletillo
que bordea redondo
el friso de la media,
debajo de la nalga;
ese cuenco rosado en
que acaban las ingles,
donde el pulgar se
tensa en breves círculos
entreabriendo el
estuche de la lengua.
Tengo que consultar a
un catedrático
de Anatomía.
Ya escribiré un poema
cuando esté muerta el
arte del deseo.
De: “Verano Inglés”
(1999)
A embriaguez de Noé
(Michelangelo
Buonarroti: pinto italiano)
O poema não escrito
Gosto de te contemplar
ao sair do banho,
como a Susana os
anciãos bíblicos.
Pela porta
entreaberta te espreito quando envolves
na toalha a coxa ou o
tornozelo,
o peito exuberante atrás
da linha do braço:
odaliscas de Ingres,
pastoras de Boucher
– calorosas, calmas,
inocentes –,
ninfas de Bouguereau,
escravas de Gérôme,
Vênus de Cabanel –
horizontal espuma –,
tão redondamente
comestíveis.
Terá um nome essa
dobra da axila
que se bifurca em
duas entre os dentes;
o leve e torneado ressalto
que debrua
o friso da meia, sob
a nádega;
esse vale rosado no
qual findam as virilhas,
onde o polegar se retesa
em breves círculos
entreabrindo o estojo
da língua.
Tenho que consultar
um catedrático
em Anatomia.
Escreverei um poema
quando já estiver
morta a arte do desejo.
Em: “Verão Inglês”
(1999)
Referência:
CARNERO, Guillermo.
El poema no escrito. Poesía en el campus, Universidad de Zaragoza (ES), n.
47 (Guillermo Carnero), p. 42, feb. 2000. (Revista de Poesía). Disponível neste endereço. Acesso em: 4 jul.
2022.
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