Neste emblemático
poema, há certo contraste entre o cenário de escuridão de alguns versos com
outros a revelar súbita cintilação de firmamento: no plano onírico de que se
revestem as linhas de Plath, cruzar as águas sugere uma transmutação entre o
tangível e o etéreo, entre o império do telúrico e os alvores do numinoso.
À medida que se
penetra no texto, percebem-se as imagens devaneantes suscitadas quer pela aparência
do que se encontra à superfície, quer – e talvez mais importante – do que prevalece
em suas profundezas, até que se chegue ao remate, quando todo o simbolismo se
esclarece pelo silêncio de duas almas perplexas em transição para outro reino.
J.A.R. – H.C.
Sylvia Plath
(1932-1963)
Crossing the Water
Black lake, black
boat, two black, cut-paper people.
Where do the black
trees go that drink here?
Their shadows must
cover Canada.
A little light is
filtering from the water flowers.
Their leaves do not
wish us to hurry:
They are round and
flat and full of dark advice.
Cold worlds shake
from the oar.
The spirit of
blackness is in us, it is in the fishes.
A snag is lifting a
valedictory, pale hand;
Stars open among the
lilies.
Are you not blinded
by such expressionless sirens?
This is the silence
of astounded souls.
Cruzando o Rio Volga
perto de Stalingrado
em 1942
(Vasiliy Strigin:
pintor russo)
Cruzando as Águas
Lago negro, barco
negro, duas silhuetas negras de papel
recortado.
Aonde vão as árvores
negras que aqui dessedentam?
Suas sombras devem
cobrir o Canadá.
Um pouco de luz se
filtra através das flores aquáticas.
Suas folhas não
desejam que nos apressemos:
São redondas e planas
e cheias de conselhos obscuros.
Gélidos mundos se
agitam sob o efeito do remo.
O espírito das trevas
está em nós, está nos peixes.
Um tronco submerso ergue
uma pálida mão em despedida;
Estrelas se abrem
entre os lírios.
Não estás cego por
sereias tão inexpressivas?
Este é o silêncio das
almas atônitas.
Referência:
PLATH, Sylvia.
Crossing the water. In: HEANEY, Seamus; HUGHES, Ted (Eds.). The rattle bag.
1st publ. London, EN: Faber and Faber, 1982. p. 117-118.
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