Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 30 de junho de 2022

Paul Celan - Corona

Aludindo ao relacionamento havido entre Celan e a escritora, dramaturga e também poetisa austríaca Ingeborg Bachmann (1926-1973), o título “Corona”, atribuído a este poema, nada tem a ver com ondas de infecção por coronavírus, mas, como sustentam alguns intérpretes do poeta, diz respeito ou bem a uma hipotética grinalda ou coroa nupcial, sobre a cabeça da amada, ou bem à notação musical para a fermata ou suspensão, também conhecida por corona, tendo em mente o sentido engastado nas linhas da composição, de uma “pausa” ou de um “tempo” para o amor.

 

Em meio às evocações de cadências temporais, percebe-se o estado de expectativa, de urgência e de volúpia do falante, como também o nível de profundidade do relacionamento: associando o outono ao passado, Celan busca resgatar o tempo nostálgico de uma existência autêntica e menos instável, diante de um cenário ainda a refletir os “raios sangrentos da lua”.

 

J.A.R. – H.C.

 

Paul Celan

(1920-1970)

 

Corona

 

Aus der Hand frißt der Herbst mir sein Blatt: wir sind Freunde.

Wir schälen die Zeit aus den Nüssen und lehren sie gehn:

die Zeit kehrt zurück in die Schale.

 

Im Spiegel ist Sonntag,

im Traum wird geschlafen,

der Mund redet wahr.

 

Mein Aug steigt hinab zum Geschlecht der Geliebten:

wir sehen uns an,

wir sagen uns Dunkles,

wir lieben einander wie Mohn und Gedächtnis,

wir schlafen wie Wein in den Muscheln,

wie das Meer im Blutstrahl des Mondes.

 

Wir stehen umschlungen im Fenster, sie sehen uns zu von der

Straße:

es ist Zeit, daß man weiß!

Es ist Zeit, daß der Stein sich zu blühen bequemt,

daß der Unrast ein Herz schlägt.

Es ist Zeit, daß es Zeit wird.

 

Es ist Zeit.

 

In: “Mohn und Gedächtnis” (1952)

 

Recesso (O Piquenique)

(James-Jacques J. Tissot: pintor francês)

 

Corona

 

Da mão o outono me come a sua folha: somos amigos.

Descascamos o tempo de dentro das nozes e o ensinamos a andar:

o tempo retorna à casca.

 

No espelho é domingo,

no sonho se dorme,

a boca fala verdades.

 

Meu olho desce ao sexo da amada:

nós nos olhamos,

nós nos dizemos o obscuro,

nós nos amamos como papoula e memória,

nós dormimos como vinho nas conchas,

como o mar no raio sangrento da lua.

 

Ficamos entrelaçados à janela, eles nos olham da rua:

já é tempo de se saber!

É tempo da pedra se dispor a florescer,

da inquietação palpitar um coração.

É tempo de vir a ser tempo.

 

É tempo.

 

Em: “Papoula e Memória” (1952)

 

Referência:

 

CELAN, Paul. Corona / Corona. Tradução de Flávio R. Kothe. In: KOTHE, Flávio R. (Apresentação e tradução). A poesia hermética de Paul Celan. Brasília, DF: Editora da UnB, 2016. Em alemão: p. 64; em português: p. 65.

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