Aludindo ao
relacionamento havido entre Celan e a escritora, dramaturga e também poetisa
austríaca Ingeborg Bachmann (1926-1973), o título “Corona”, atribuído a este
poema, nada tem a ver com ondas de infecção por coronavírus, mas, como sustentam
alguns intérpretes do poeta, diz respeito ou bem a uma hipotética grinalda ou
coroa nupcial, sobre a cabeça da amada, ou bem à notação musical para a fermata
ou suspensão, também conhecida por corona, tendo em mente o sentido engastado
nas linhas da composição, de uma “pausa” ou de um “tempo” para o amor.
Em meio às evocações
de cadências temporais, percebe-se o estado de expectativa, de urgência e de volúpia
do falante, como também o nível de profundidade do relacionamento: associando o
outono ao passado, Celan busca resgatar o tempo nostálgico de uma existência
autêntica e menos instável, diante de um cenário ainda a refletir os “raios
sangrentos da lua”.
J.A.R. – H.C.
Paul Celan
(1920-1970)
Corona
Aus der Hand frißt
der Herbst mir sein Blatt: wir sind Freunde.
Wir schälen die Zeit
aus den Nüssen und lehren sie gehn:
die Zeit kehrt zurück
in die Schale.
Im Spiegel ist
Sonntag,
im Traum wird
geschlafen,
der Mund redet wahr.
Mein Aug steigt hinab
zum Geschlecht der Geliebten:
wir sehen uns an,
wir sagen uns
Dunkles,
wir lieben einander
wie Mohn und Gedächtnis,
wir schlafen wie Wein
in den Muscheln,
wie das Meer im
Blutstrahl des Mondes.
Wir stehen
umschlungen im Fenster, sie sehen uns zu von der
Straße:
es ist Zeit, daß man
weiß!
Es ist Zeit, daß der
Stein sich zu blühen bequemt,
daß der Unrast ein
Herz schlägt.
Es ist Zeit, daß es
Zeit wird.
Es ist Zeit.
In: “Mohn und
Gedächtnis” (1952)
Recesso (O
Piquenique)
(James-Jacques J.
Tissot: pintor francês)
Corona
Da mão o outono me
come a sua folha: somos amigos.
Descascamos o tempo
de dentro das nozes e o ensinamos a andar:
o tempo retorna à
casca.
No espelho é domingo,
no sonho se dorme,
a boca fala verdades.
Meu olho desce ao
sexo da amada:
nós nos olhamos,
nós nos dizemos o
obscuro,
nós nos amamos como
papoula e memória,
nós dormimos como
vinho nas conchas,
como o mar no raio
sangrento da lua.
Ficamos entrelaçados
à janela, eles nos olham da rua:
já é tempo de se
saber!
É tempo da pedra se
dispor a florescer,
da inquietação
palpitar um coração.
É tempo de vir a ser
tempo.
É tempo.
Em: “Papoula e
Memória” (1952)
Referência:
CELAN, Paul. Corona /
Corona. Tradução de Flávio R. Kothe. In: KOTHE, Flávio R. (Apresentação e
tradução). A poesia hermética de Paul Celan. Brasília, DF: Editora da
UnB, 2016. Em alemão: p. 64; em português: p. 65.
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