Com todo o potencial
simbólico do arquétipo representado pela árvore, muito à volta da cíclica, mas perpétua,
evolução cósmica, percebe-se nos versos do poeta cearense certa ênfase no
sagrado, com foco no caminho de ascensão ao longo do qual trilham aqueles migram
do puramente humano ao divino, numa escalada evolutiva a bastante evocar a
doutrina hermética da Cabala, notoriamente, uma espécie de “árvore mística”.
Deus está no centro
do discurso, árvore inescrutável de permanente folhagem, imanente em sua
vontade de criar todas as coisas e todo o ser, o uno primigênio no qual o mesmo
ser alcança um estado de beatitude, no qual toda dualidade temporal se
desvanece para se integrar num só êxtase, espiritual e etéreo.
J.A.R. – H.C.
Francisco Carvalho
(1927-2013)
Árvore Mística
Deus é uma árvore de
muitas raízes.
À sombra dessa árvore
germinou
a dinastia dos homens
e todas as coisas
que dardejam e
flutuam entre o céu e a terra.
Deus é o caule do
cedro golpeado pelos raios.
O estigma de fogo na
fronte de Abraão.
A água que jorra dos
mananciais.
O sopro que tange as
cordas da harpa de David.
Deus é a fonte das
súplicas. A concha
da mão que semeia o
trigo da misericórdia.
Deus é o vazio que
transborda.
Os dias e as noites
que se somam ao tempo.
O tempo que se
evapora em eternidade.
Deus é chama que te
chama.
Magnetismo que te
arrebata para o vértice.
Arcano que te
contempla das esferas.
Braço estendido para
os que sumiram no ventre
da baleia. Túnica de
azeite para a nudez
dos ofendidos. Chuva
primordial borbulhando
nas entranhas da
criação. Deus é a liberdade
acorrentada ao pulso
dos aflitos.
Adão e Eva no Jardim
do Éden
(Jan Brueghel, o
Jovem: pintor flamengo)
Referência:
CARVALHO, Francisco. Árvore
mística. In: __________. Girassóis de barro. Fortaleza, CE: Universidade
Federal do Ceará & Casa José de Alencar (Programa Editorial), 1997. p. 182.
(Coleção ‘Alagadiço Novo’)
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