Tudo se vende na
família de quem se fala no poema, de pessoas a animais, de plantas a elementos
decorativos, a bem dizer, por preços bem módicos – abaixo dos de mercado –,
porque a necessidade de recursos é premente, haja vista o notório processo de
empobrecimento ou de insolvência em que a parentela incorrera.
Trazendo o poema para
a realidade do país, frise-se o elevado nível de endividamento dos consumidores
pátrios, a atingir 72% deles ou algo da ordem de 62 milhões de pessoas, em jul/21.
Ademais, na linha de “extrema pobreza”, em consequente insegurança alimentar,
há outras 19 milhões, catastroficamente num país que está entre os líderes
mundiais na produção de grãos.
Tem-se aí um cenário
que se amolda à letra da canção “A Novidade”, do Paralamas do Sucesso: “De um lado,
esse carnaval; do outro, a fome total”.
J.A.R. – H.C.
Angélica Freitas
(n. 1973)
família vende tudo
família vende tudo
um avô com muito uso
um limoeiro
um cachorro cego de
um olho
família vende tudo
por bem pouco
dinheiro
um sofá de três
lugares
três molduras
circulares
família vende tudo
um pai engravatado
depois desempregado
e uma mãe cada vez
mais gorda
do seu lado
família vende tudo
um número de telefone
tantas vezes cortado
um carrinho de
supermercado
família vende tudo
uma empregada batista
uma prima surrealista
uma ascendência
italiana & golpista
família vende tudo
trinta carcaças de
peru (do natal)
e a fitinha que
amarraram no pé do júnior
no hospital
família vende tudo
as crianças se
formaram
o pai faliu
deve grana para o
banco do brasil
vai ser uma grande
desova
a casa era do avô
mas o avô tá com o pé
na cova
família vende tudo
então já viu
no fim dá quinhentos
contos
pra cada um
o júnior vai reformar
a piscina
o pai vai abrir um
negócio escuso
e pagar a vila alpina
pro seu pai com muito
uso
família vende tudo
preços abaixo do
mercado
Deixando o lar
(William Gilbert
Gaul: pintor norte-americano)
Referência:
FREITAS, Angélica.
família vende tudo. In: __________. Rilke shake. São Paulo, SP: Cosac
Naify; Rio de Janeiro, RJ: 7Letras, 2007. p. 17-18. (Coleção ‘Ás de Colete’; v.
15)
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