O poeta inglês retrata
as circunstâncias em que envolvido o falante, quando num exame para detectar as
origens de uma dor que lhe estava incomodando: o atendimento médico, a rigor, parece-se
muito à oferta de serviços indiferenciada, digo melhor, não personalizada que
se costuma prestar pela rede hospitalar, aqui como alhures.
A dor, originária nas
imediações do coração, tornou-se o mote para a voz lírica estender a sua percepção
de morte aos distintos quadrantes pelos quais passou, ao se retirar da região.
Tudo quanto há nas instalações hospitalares apura os nossos sentidos para o
fato de que, para se estar ali, sempre um risco de um fim paira no ar: “Aqui,
onde morre o coração, onde morrem todos os sistemas”.
J.A.R. – H.C.
Ken Smith
(1938-2003)
Here
I point to where the
pain is, the ache
where the blockage
is. Here.
The doctor shakes his
head at me. Yes
he says, I have that,
we all have.
They put the wire in
again, on the monitor
I watch the grey map
of my heart, the bent
ladder of the spine
that outlasts it.
How does it feel?
they ask. Here?
I am moving away down
the long corridors
of abandoned
trolleys, the closed wings
of hospitals, rooms
full of yellow bedpans
and screens and
walker frames, fading out
into nothing and
nothing at all, as we do,
as we all do, as it
happens, and no one
can talk of it. Here,
where the heart
dies, where all the
systems are dying.
Refletindo em noite
de luar
(Arkhip Kuindzhi: pintor
russo)
Aqui
Aponto-lhe em direção
à dor, a dor
onde está a obstrução.
Aqui.
O médico abana a
cabeça para mim. Sim,
diz ele, eu a tenho,
todos nós a temos.
Voltam a pôr o cabo,
no monitor
observo o mapa cinzento
de meu coração, a arqueada
escada da coluna
vertebral que o sobrepassa.
‘Qual é a sensação?’
– perguntam. Aqui?
Afasto-me pelos
longos corredores
de carrinhos
abandonados, alas
fechadas dos
hospitais, quartos cheios de urinóis amarelos,
biombos e andadores,
desaparecendo
no nada e no nada absoluto,
como o fazemos,
como todos o fazemos,
como sucede amiúde, e ninguém
é capaz de falar
sobre isso. Aqui, onde morre
o coração, onde
morrem todos os sistemas.
Referência:
SMITH, Ken. Here. In:
ASTLEY, Neil (Ed.). Staying alive: real poems for unreal times. 1st. ed.
New York, NY: Miramax Books, 2003. p. 144.
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