Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 10 de junho de 2022

Ken Smith - Aqui

O poeta inglês retrata as circunstâncias em que envolvido o falante, quando num exame para detectar as origens de uma dor que lhe estava incomodando: o atendimento médico, a rigor, parece-se muito à oferta de serviços indiferenciada, digo melhor, não personalizada que se costuma prestar pela rede hospitalar, aqui como alhures.

 

A dor, originária nas imediações do coração, tornou-se o mote para a voz lírica estender a sua percepção de morte aos distintos quadrantes pelos quais passou, ao se retirar da região. Tudo quanto há nas instalações hospitalares apura os nossos sentidos para o fato de que, para se estar ali, sempre um risco de um fim paira no ar: “Aqui, onde morre o coração, onde morrem todos os sistemas”.

 

J.A.R. – H.C.

 

Ken Smith

(1938-2003)

 

Here

 

I point to where the pain is, the ache

where the blockage is. Here.

The doctor shakes his head at me. Yes

he says, I have that, we all have.

 

They put the wire in again, on the monitor

I watch the grey map of my heart, the bent

ladder of the spine that outlasts it.

How does it feel? they ask. Here?

 

I am moving away down the long corridors

of abandoned trolleys, the closed wings

of hospitals, rooms full of yellow bedpans

and screens and walker frames, fading out

 

into nothing and nothing at all, as we do,

as we all do, as it happens, and no one

can talk of it. Here, where the heart

dies, where all the systems are dying.

 

Refletindo em noite de luar

(Arkhip Kuindzhi: pintor russo)

 

Aqui

 

Aponto-lhe em direção à dor, a dor

onde está a obstrução. Aqui.

O médico abana a cabeça para mim. Sim,

diz ele, eu a tenho, todos nós a temos.

 

Voltam a pôr o cabo, no monitor

observo o mapa cinzento de meu coração, a arqueada

escada da coluna vertebral que o sobrepassa.

‘Qual é a sensação?’ – perguntam. Aqui?

 

Afasto-me pelos longos corredores

de carrinhos abandonados, alas

fechadas dos hospitais, quartos cheios de urinóis amarelos,

biombos e andadores, desaparecendo

 

no nada e no nada absoluto, como o fazemos,

como todos o fazemos, como sucede amiúde, e ninguém

é capaz de falar sobre isso. Aqui, onde morre

o coração, onde morrem todos os sistemas.

 

Referência:

 

SMITH, Ken. Here. In: ASTLEY, Neil (Ed.). Staying alive: real poems for unreal times. 1st. ed. New York, NY: Miramax Books, 2003. p. 144.

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