Darwish, mais que um
poeta, um intelectual na política e na sociedade palestina, foi um dos mais
importantes defensores da causa de seu país, criador de uma poesia à altura dos anseios do povo; povo, aliás, sedento de justiça, de terras que lhe vêm
sendo reiteradamente tomadas, de sonhos de um acalentado futuro de ventura.
As linhas deste poema
emergem como um protesto contra a terrível injustiça praticada contra os residentes
de um domínio que não estava vazio quando se criou o Estado de Israel, como ostensivamente o
demonstra Norman Finkelstein em “Imagem e
realidade do conflito Israel-Palestina” (Record, 2005): o fato é que, ainda hoje,
os outros filhos da palestina ou se encontram no exílio ou exilados em seu
próprio e confrangido espaço físico. Até quando?!
J.A.R. – H.C.
Mahmoud Darwish
(1941-2008)
Cólera e Tristeza
A aldeia em ruínas
como um espantalho
a terra rachada
e os troncos de
vossas oliveiras
como ninhos de coruja
ou de corvos
quem preparou este
ano a carreta?
quem trabalhou a
terra?
tu! onde está teu
irmão... onde teu pai
miragens
de onde vens? de uma
muralha?
ou acaso das nuvens?
velas pela dignidade
dos mortos?
ou fechas tua porta
ao cair da noite?
por que não te
sublevas
desde o momento em
que a carne do pai de teu pai
está crucificada
sobre as botas da
noite
tu a amas?
eu a amei antes de ti
e tremi em suas
margens escuras
era bela
mas dançou sobre
minha tumba
tu e eu
pedimos satisfações à
história
à bandeira que perdeu
sua virilidade
quem somos?
deixa que a pressa
das ruas
beba na indignidade
de nosso estandarte assassinado
por que não te
rebelas
quando ela estende
seus braços aos outros
e seus seios
temos suportado a
tristeza durante anos
e o sol não tem
nascido
a tristeza é um fogo
que o tempo consome
e que o vento
desperta
e como domarás o
vento
sem armas
exceto a coalizão de
vento e fogo
numa pátria violada.
Em: “Folhas de
oliveira” (1964)
Um capricho veneziano
da laguna com figuras
e um arco em ruínas
nas imediações
(Francesco Guardi:
pintor italiano)
Referência:
DARWICH, Mahmud.
Cólera e tristeza. Tradução de Jaime W. Cardoso e José Carlos Gondim. In:
LAÂBI, Abdellatif (Sel.). Poesia palestina de combate. Prefácio de Farid
Suwwan. Tradução de Jaime W. Cardoso e José Carlos Gondim. Rio de Janeiro, RJ:
Achiamé, 1981. p. 47-48.
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