Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 18 de junho de 2022

Frank O'Hara - Três árias

As imagens evocadas por O’Hara nestes versos são tão heteróclitas, que atribuir um sentido inequívoco ao poema como um todo pode consistir num exercício inglório: os versos mais parecem uma colagem com tudo o que há de mais aleatório e isócrono na realidade.

 

Três ares, três árias que celebram estágios de beleza e de fealdade, do inferno ao paraíso e de novo ao inferno: um anjo que ascende aos céus, dá uma olhada por lá, e volta para se manter incólume à poluição do mundo, estando à escuta de um ar que, deixando de ser ar, logo volta a ser ar outra vez.

 

J.A.R. – H.C.

 

Frank O’Hara

(1926-1966)

 

Three airs

 

1.

So many things in the air! soot,

elephant balls, a Chinese cloud

which is entirely collapsed, a cat

swung by its tail

and the senses

of the dead which are banging about

inside my tired red eyes

 

2.

In the deeps there is a little bird

and it only hums, it hums of Fortitude

 

and temperance, it is managing a foundry

how firmly it must grasp things! tear them

out of the slime and then, alas! It mischievously

 

drops them into the cauldron of hideousness

 

there is already a sunset naming

the poplars which see only, watery, themselves

 

3.

 

Oh to be an angel (if there were any!), and go

straight up into the sky and look around and then

come down

 

not to be covered with steel and aluminum

glaringly ugly in the pure distances and clattering and

buckling, wheezing

 

but to be part of the treetops and the blueness, invisible,

the iridescent darkness beyond,

silent, listening to

the air becoming no air becoming air again

 

O gatinho brincalhão

(Conrad Kiesel: pintor alemão)

 

Três árias

 

1.

Tantas coisas no ar! fuligem,

bolas de elefante, uma nuvem chinesa

que já desabou por completo, um gato

balançado pelo rabo

e as sensações

dos mortos que batem e se esbarram

dentro dos meus olhos cansados

 

2.

Lá nas profundezas vive um passarinho

que só cantarola, um canto de coragem

 

e temperança; administra uma fundição

e como é firme ao pegar as coisas! arranca-as

do limo e depois – oh, céus! – numa travessura

 

ele as joga no caldeirão da feiura

 

e já um pôr do sol vem nomeando

os álamos que, aguados, só veem a si mesmos

 

3.

Ah ser um anjo (se anjos houvesse!) e subir

direto ao céu e dar uma olhada e depois

descer

 

sem estar coberto com aço e alumínio

fulgurantemente feio nas distâncias puras e estalando e

estourando, arfando

 

mas ser parte do topo das árvores e do azul, invisível,

na escuridão iridescente ao longe,

silencioso, ouvindo ao

ar tornar-se não ar tornar-se ar de novo

 

Referência:

 

O’HARA, Frank. Three airs / Três árias. Tradução de Beatriz Bastos. Universidade de São Paulo / Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH/USP). Cadernos de literatura em tradução, n. 18, 2017, p. 153-163. Em inglês: p. 156; em português: p. 157. Disponível neste endereço. Acesso em: 10 jun. 2022.

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