As imagens evocadas por
O’Hara nestes versos são tão heteróclitas, que atribuir um sentido inequívoco
ao poema como um todo pode consistir num exercício inglório: os versos mais
parecem uma colagem com tudo o que há de mais aleatório e isócrono na
realidade.
Três ares, três árias
que celebram estágios de beleza e de fealdade, do inferno ao paraíso e de novo
ao inferno: um anjo que ascende aos céus, dá uma olhada por lá, e volta para se
manter incólume à poluição do mundo, estando à escuta de um ar que, deixando de
ser ar, logo volta a ser ar outra vez.
J.A.R. – H.C.
Frank O’Hara
(1926-1966)
Three airs
1.
So many things in the
air! soot,
elephant balls, a
Chinese cloud
which is entirely
collapsed, a cat
swung by its tail
and the senses
of the dead which are
banging about
inside my tired red
eyes
2.
In the deeps there is
a little bird
and it only hums, it
hums of Fortitude
and temperance, it is
managing a foundry
how firmly it must
grasp things! tear them
out of the slime and
then, alas! It mischievously
drops them into the
cauldron of hideousness
there is already a
sunset naming
the poplars which see
only, watery, themselves
3.
Oh to be an angel (if
there were any!), and go
straight up into the
sky and look around and then
come down
not to be covered
with steel and aluminum
glaringly ugly in the
pure distances and clattering and
buckling, wheezing
but to be part of the
treetops and the blueness, invisible,
the iridescent
darkness beyond,
silent, listening to
the air becoming no
air becoming air again
O gatinho brincalhão
(Conrad Kiesel: pintor
alemão)
Três árias
1.
Tantas coisas no ar!
fuligem,
bolas de elefante,
uma nuvem chinesa
que já desabou por
completo, um gato
balançado pelo rabo
e as sensações
dos mortos que batem
e se esbarram
dentro dos meus olhos
cansados
2.
Lá nas profundezas
vive um passarinho
que só cantarola, um
canto de coragem
e temperança;
administra uma fundição
e como é firme ao
pegar as coisas! arranca-as
do limo e depois –
oh, céus! – numa travessura
ele as joga no
caldeirão da feiura
e já um pôr do sol
vem nomeando
os álamos que,
aguados, só veem a si mesmos
3.
Ah ser um anjo (se
anjos houvesse!) e subir
direto ao céu e dar
uma olhada e depois
descer
sem estar coberto com
aço e alumínio
fulgurantemente feio
nas distâncias puras e estalando e
estourando, arfando
mas ser parte do topo
das árvores e do azul, invisível,
na escuridão
iridescente ao longe,
silencioso, ouvindo
ao
ar tornar-se não ar
tornar-se ar de novo
Referência:
O’HARA, Frank. Three
airs / Três árias. Tradução de Beatriz Bastos. Universidade de São Paulo /
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH/USP). Cadernos de
literatura em tradução, n. 18, 2017, p. 153-163. Em inglês: p. 156; em português:
p. 157. Disponível neste endereço. Acesso em: 10 jun.
2022.
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