Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 23 de junho de 2022

Orides Fontela - Fala

Tudo o que se expressa por meio da realidade se converte em palavras que ressoam pesadas, “duras”, “difíceis”, “impiedosas”, “ferinas” aos ouvidos da falante, em sua consciência, em seus sentidos, tornando a fala um exercício sem suavidade, agressivo até, de tanta lucidez impregnada em seus densos signos.

 

Nesse contexto, “toda palavra é crueldade”: se tal modo de ser, devotado a uma alocução inclemente, revela o seu poder “despedaçador”, o que diria a poetisa sobre a mensagem do “silêncio”, tanto mais se se revestir da mesma crueldade, entenda-se melhor, da mesma gravidade que, agora, tenderá a morrer insepulta em seu próprio íntimo?

 

J.A.R. – H.C.

 

Orides Fontela

(1940-1998)

 

Fala

 

Tudo

será difícil de dizer:

a palavra real

nunca é suave.

 

Tudo será duro:

luz impiedosa

excessiva vivência

consciência demais do ser.

 

Tudo será

capaz de ferir. Será

agressivamente real.

Tão real que nos despedaça.

 

Não há piedade nos signos

e nem no amor: o ser

é excessivamente lúcido

e a palavra é densa e nos fere.

 

(Toda palavra é crueldade.)

 

Uma canção sem palavras

(George Hamilton Barrable: pintor inglês)

 

Referência:

 

FONTELA, Orides. Fala. In: __________. Poesia reunida: 1969-1996. São Paulo, SP: Cosac Naify; Rio de Janeiro, RJ: 7Letras, 2006. p. 31. (Coleção ‘Ás de Colete’; v. 12)

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