Tudo o que se expressa
por meio da realidade se converte em palavras que ressoam pesadas, “duras”, “difíceis”,
“impiedosas”, “ferinas” aos ouvidos da falante, em sua consciência, em seus
sentidos, tornando a fala um exercício sem suavidade, agressivo até, de tanta
lucidez impregnada em seus densos signos.
Nesse contexto, “toda
palavra é crueldade”: se tal modo de ser, devotado a uma alocução inclemente, revela
o seu poder “despedaçador”, o que diria a poetisa sobre a mensagem do “silêncio”,
tanto mais se se revestir da mesma crueldade, entenda-se melhor, da mesma
gravidade que, agora, tenderá a morrer insepulta em seu próprio íntimo?
J.A.R. – H.C.
Orides Fontela
(1940-1998)
Fala
Tudo
será difícil de
dizer:
a palavra real
nunca é suave.
Tudo será duro:
luz impiedosa
excessiva vivência
consciência demais do
ser.
Tudo será
capaz de ferir. Será
agressivamente real.
Tão real que nos
despedaça.
Não há piedade nos
signos
e nem no amor: o ser
é excessivamente
lúcido
e a palavra é densa e
nos fere.
(Toda palavra é
crueldade.)
Uma canção sem
palavras
(George Hamilton
Barrable: pintor inglês)
Referência:
FONTELA, Orides.
Fala. In: __________. Poesia reunida: 1969-1996. São Paulo, SP: Cosac
Naify; Rio de Janeiro, RJ: 7Letras, 2006. p. 31. (Coleção ‘Ás de Colete’; v.
12)
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