Segundo Saramago, vê-se
em cada ser humano uma panóplia de outros seres – conjectura-se em quase uma
dezena – que, amordaçados pelo homem desperto, encontram-se recolhidos à cave
do inconsciente, cujas energias acabam por aflorar por meio dos sonhos, podendo
até dominar aquele que não as reconhece.
O título do poema bem
elucida a origem das ideias desenvolvidas em suas linhas – a psicanálise –, difundindo
a necessidade de se integrar harmoniosamente as três componentes do espírito –
id, ego e superego –, pois reprimir a realidade por negação ou rejeição é meio
caminho andado para o afloramento de desequilíbrios psíquicos.
J.A.R. – H.C.
José Saramago
(1922-2010)
Psicanálise
Em cada homem, dez,
ou mais ainda;
Em cada homem, nove
disfarçados,
E todos nove, na voz,
amordaçados,
Do homem que convém palco
e berlinda.
Uma porta da cave
aferrolhada
A malícia do sono
desmantela:
Fugidos do segredo e
da cancela,
Mostram os nove o dez
igual a nada.
Depois de bem torcido
e recalcado,
Sacode o dez a pele e
os direitos,
Disfarçando, subtil,
rugas e jeitos,
Do que foi o seu
corpo analisado.
Velhaca mascarada, ou
sem sentido
De sombras a fingir
de corpos vivos,
Cicatrizes tapadas de
adesivos,
O falso dez, o zero,
o um perdido.
O Psicanalista
(Marie-Louise von
Motesiczky: pintora austríaca)
Referência:
SARAMAGO, José.
Psicanálise. In: __________. Os poemas possíveis: poesia. 6. ed. Alfragide,
PT: Editorial Caminho, 1997. p. 43.
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