O poeta espanhol tece
um enfático comentário sobre a forma de se fazer poesia, ou melhor, acerca da
temática preferencial a lhe dar substância, retirada da realidade, não devendo se
abstrair à árdua labuta do viver, recolhendo-se em imagens “belas e frias”, como
se o poema sempre houvesse que se apresentar “vestido para festa”, longe de
quaisquer ousadias ou riscos.
Daí porque há “poemas
e poemas”, uns com vestígios de pugnas em cavernas e resquícios de sangue,
outros a relatar passeios em tardes burguesas por alamedas já firmadas, saídos
diretamente do “forno” canônico da “técnica e da retórica”. Mas veja-se lá a
mensagem maior destas linhas: “A pedra é preciosa em razão da carne que a
ostenta”!
J.A.R. – H.C.
Ramón de Garciasol
(1913-1994)
Poemas y poemas
No se sabe cómo se
llega,
ni cómo se torna del
poema,
si se va a salir de
su selva
o a quedarse para
pasto de fieras,
rota la razón, la
tiniebla
derramada en la tinta
o la lengua.
Porque hay quienes se
pasean
por las establecidas
alamedas,
por las tardes
burguesas
con sol y orden que
les proteja.
Mas otros van con el
hacha a cuestas,
para no volver si se tercia
o para regresar con
una luz honesta,
humilde brillo de
luciérnaga,
o con un rugido de
caverna,
mientras la sangre
hace su reguera.
Por eso hay versos
donde tiembla
la tierra,
donde hermosea
el grito de la madre
parturienta,
y composiciones donde
nada se arriesga,
vestidas para la
fiesta
de las imágenes más
bellas
y más frías. Pero la
piedra
es preciosa por la
carne que la ostenta.
Hay versos que se
compran en las tiendas (*)
de la retórica y de
la técnica,
donde el hombre nada
se juega,
en los que la palabra
no quema,
en los que no se mira
la existencia,
un futuro sin tiempo
ni banderas.
Noite num jardim em
Espanha
(Charles Conder:
pintor anglo-australiano)
Poemas e poemas
Não se sabe como se
chega,
nem como se regressa
do poema,
se se há de sair de
sua selva
ou ali ficar como
pasto para feras,
rompida a razão, a
treva
derramada na tinta ou
na língua.
Pois há os que passeiam
por estabelecidas
alamedas,
nas tardes burguesas
com sol e ordem a
protegê-los.
Mas outros vão com o
machado às costas,
para não voltar se
necessário,
ou para regressar com
uma luz honesta,
humilde brilho de vaga-lume,
ou com um rugido de
caverna,
enquanto o sangue deixa
o seu rastro.
Por isso há versos onde
a terra
treme,
onde avulta a beleza
do grito da mãe
parturiente,
e composições onde
nada se arrisca,
vestidas para a festa
das imagens mais
belas
e mais frias. No
entanto, a pedra
é preciosa em razão
da carne que a ostenta.
Há versos que são
comprados nas lojas
da retórica e da técnica,
onde o homem está
fora do jogo,
nos quais a palavra
não queima,
nos quais não se
contempla a existência,
um futuro sem tempo
nem bandeiras.
Nota:
(*). A rigor, os 6
(seis) últimos versos do poema não constam na obra de referência, abaixo
mencionada, senão apenas no site ‘Poéticas’, conforme se pode ratificar neste endereço.
Referência:
GARCIASOL, Ramón de.
Poemas y poemas. In: BERGUA, José (Ed.). Las mil mejores poesias de la
lengua castellana (ocho siglos de poesía española e hispanoamericana). 31.
ed. Madrid, ES: Ediciones Ibéricas, 1995. p. 716. (Colección ‘Tesoro
Literario’; n. 26)
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