Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 13 de junho de 2022

Octavio Paz - Conversar

Estes versos do Nobel mexicano levaram-me a recordar de certas passagens bíblicas dos Atos dos Apóstolos, em especial as que se atrelam às visões de “línguas de fogo”, e mesmo da forma como Javé teria aparecido a Moisés como “sarça ardente”, no livro do Êxodo: se palavras existem nas Escrituras em que Deus se pronuncia verbalmente aos homens, segundo a voz lírica, imagino que devam elas ser interpretadas menos como um discurso literal enunciado pelo Eterno, do que uma interpretação humana de contingências ou fatos em que envolvidos os sujeitos intervenientes nos relatos.

 

Isso porque, segundo Paz, os deuses não falam, senão que “jogam jogos terríveis”, expressando-se de outros modos, como lume ou espírito que destrava as línguas. Os humanos, por outro lado, são seres presos às circunstâncias, ao tempo, à história, logo devotados à conversa, por meio da qual tornam-se conscientes de seus contratempos.

 

J.A.R. – H.C.

 

Octavio Paz

(1914-1998)

 

Conversar

 

En un poema leo:

conversar es divino.

Pero los dioses no hablan:

hacen, deshacen mundos

mientras los hombres hablan.

Los dioses, sin palabras,

juegan juegos terribles.

 

El espíritu baja

y desata las lenguas

pero no habla palabras:

habla lumbre. El lenguaje,

por el dios encendido,

es una profecía

de llamas y un desplome

de sílabas quemadas:

ceniza sin sentido.

 

La palabra del hombre

es hija de la muerte.

Hablamos porque somos

mortales: las palabras

no son signos, son años.

Al decir lo que dicen

los nombres que decimos

dicen tiempo: nos dicen,

somos nombres del tiempo.

Conversar es humano.

 

Conversação

(Arnold Lakhovsky: artista russo-ucraniano)

 

Conversar

 

Em um poema leio:

conversar é divino.

Mas os deuses não falam:

fazem, desfazem mundos

enquanto os homens falam.

Os deuses, sem palavras,

jogam jogos terríveis.

 

O espírito desce

e destrava as línguas,

mas não enuncia palavras:

emite lume. A linguagem,

deflagrada por deus,

é uma profecia

de chamas e um desmoronar

de sílabas queimadas:

cinzas sem sentido.

 

A palavra do homem

é filha da morte.

Falamos porque somos

mortais: as palavras

não são signos, são anos.

Ao dizer o que dizem

os nomes que dizemos

dizem tempo: dizem-nos,

somos nomes do tempo.

Conversar é humano.

 

Referência:

 

PAZ, Octavio. Conversar. In: __________. Obras completas. Obra poética II: 1969-1998. Árbol adentro: 1976-1988. Tomo XII. Edición del autor. 1. ed. México, DF: Fondo de Cultura Económica, 2004. p. 133. (Letras Mexicanas)

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