Estes versos do Nobel
mexicano levaram-me a recordar de certas passagens bíblicas dos Atos dos Apóstolos,
em especial as que se atrelam às visões de “línguas de fogo”, e mesmo da forma
como Javé teria aparecido a Moisés como “sarça ardente”, no livro do Êxodo: se
palavras existem nas Escrituras em que Deus se pronuncia verbalmente aos homens,
segundo a voz lírica, imagino que devam elas ser interpretadas menos como um
discurso literal enunciado pelo Eterno, do que uma interpretação humana de
contingências ou fatos em que envolvidos os sujeitos intervenientes nos relatos.
Isso porque, segundo
Paz, os deuses não falam, senão que “jogam jogos terríveis”, expressando-se de
outros modos, como lume ou espírito que destrava as línguas. Os humanos, por
outro lado, são seres presos às circunstâncias, ao tempo, à história, logo devotados
à conversa, por meio da qual tornam-se conscientes de seus contratempos.
J.A.R. – H.C.
Octavio Paz
(1914-1998)
Conversar
En un poema leo:
conversar es divino.
Pero los dioses no
hablan:
hacen, deshacen
mundos
mientras los hombres
hablan.
Los dioses, sin palabras,
juegan juegos
terribles.
El espíritu baja
y desata las lenguas
pero no habla
palabras:
habla lumbre. El
lenguaje,
por el dios
encendido,
es una profecía
de llamas y un
desplome
de sílabas quemadas:
ceniza sin sentido.
La palabra del hombre
es hija de la muerte.
Hablamos porque somos
mortales: las
palabras
no son signos, son años.
Al decir lo que dicen
los nombres que decimos
dicen tiempo: nos
dicen,
somos nombres del
tiempo.
Conversar es humano.
Conversação
(Arnold Lakhovsky:
artista russo-ucraniano)
Conversar
Em um poema leio:
conversar é divino.
Mas os deuses não
falam:
fazem, desfazem
mundos
enquanto os homens
falam.
Os deuses, sem
palavras,
jogam jogos
terríveis.
O espírito desce
e destrava as línguas,
mas não enuncia palavras:
emite lume. A
linguagem,
deflagrada por deus,
é uma profecia
de chamas e um
desmoronar
de sílabas queimadas:
cinzas sem sentido.
A palavra do homem
é filha da morte.
Falamos porque somos
mortais: as palavras
não são signos, são
anos.
Ao dizer o que dizem
os nomes que dizemos
dizem tempo: dizem-nos,
somos nomes do tempo.
Conversar é humano.
Referência:
PAZ, Octavio.
Conversar. In: __________. Obras completas. Obra poética II: 1969-1998.
Árbol adentro: 1976-1988. Tomo XII. Edición del autor. 1. ed. México, DF: Fondo
de Cultura Económica, 2004. p. 133. (Letras Mexicanas)
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