Primeiramente, neste
poema de Cristina Cesar, surge o tema da tradução – e, muito particularmente, o
da tradução de poesia –, para a qual a poetisa prepara um curso em meio ao
burburinho na casa de sua mãe: se Pound lhe faz “censuras” a respeito, talvez
seja pelas dificuldades em formular, no texto em elaboração, algo que se pareça
à indistinção criativa entre a adaptação das versões do poeta e crítico norte-americano
e as suas composições originais.
Depois, no âmbito da
pura praxe com que se propõe a redigir os seus próprios trabalhos, Cristina
Cesar descobre-se “supersticiosíssima”, pois que, se possui ‘insights’ acerca do
que lhe vem à mente, logo sente-se tolhida se vier a escrever ou a falar a
respeito, sinalizando aos leitores as provas pelas quais passa qualquer autor
antes de se expressar a contento, tanto mais em razão dos contratempos despertados
pelos quase intransponíveis contrafortes da incomunicabilidade.
J.A.R. – H.C.
Ana Cristina Cesar
(1952-1983)
A poesia não pode
esperar?
Estou preparando o
curso de tradução e Pound
faz censuras. A casa
de mamãe é uma pensão.
Não consigo falar nem
escrever fluentemente (assim
parece). Aula de
ginástica:
desfazer o rosto.
Tocar nas órbitas. Recuar
do ponto constante de
tensão. Descolar a
pele. Depois de
estudar folheio este caderno
cheia de
superstições. Descubro que sou
supersticiosíssima:
(se escrever ou
disser não sai).
Estou ocupada. Outros
tantos. Agudo.
13.6.83
Calíope: musa da
poesia épica
(outra versão)
(Charles Meynier: pintor
francês)
Referência:
CESAR, Ana Cristina.
A poesia pode me esperar? In: __________. Ana Cristina Cesar.
Organização, apresentação e notas de Armando Freitas Filho; ensaio de Silviano
Santiago. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira, 2004. p. 88. (Coleção “Novas
Seletas”)
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário