Com título semelhante
ao do famoso soneto de Raimundo Correia (v. neste endereço), este
poema de Samain reflete quase o mesmo sentido de sublimação da alma a que
aquele se cinge, muito embora, aqui, as alusões tenham certos atributos bíblicos,
ou melhor, fazem lembrar a descrição da pomba retornando à arca de Noé com um ramo
de oliveira no bico, a simbolizar paz, esperança e júbilo recuperado.
Mudando um pouco de
foco: o precitado soneto de Raimundo Correia (1859-1911) foi objeto de censuras
a título de eventual plágio de um gazel homônimo de Théophile Gautier
(1811-1872) (v. aqui),
sobretudo pelo seu teor (embora não pela forma), ainda que haja certas reelaborações,
em especial no que tange às imagens empregadas como ‘locus’ de recolhimento das
pombas: uma palmeira em Gautier, mas, em Correia, alguns pombais.
J.A.R. – H.C.
Albert Samain
(1858-1900)
Les colombes
Partout la mer unique
étreint l’horizon nu,
L’horizon désastreux
où la vieille arche flotte;
Au pied du mât
penchant l’Espérance grelotte,
Croisant ses bras
transis sur son coeur ingénu.
Depuis mille et mille
ans pareils, le soir venu,
L’Ame assise à la
barre, immobile pilote,
Regarde éperdument
dans l’ombre qui sanglote
Ses colombes s’enfuir
vers le port inconnu.
Elles s’en vont
là-bas, éparpillant leurs plumes
A travers le vent fou
qui les cingle d’écumes,
Ivres du vol sublime
enfermé dans leurs flancs;
Et, chaque lendemain,
au jour blême et cynique,
L’arche voit surnager
leurs doux cadavres blancs,
Les deux ailes en
croix sur la mer ironique.
A jovem Chaplin com
uma pomba
Detalhe
(Charles Joshua
Chaplin: pintor francês)
As pombas
O horizonte se abraça
ao velho mar irado,
o horizonte fatal em
que, errante, sem rastro,
flutua a velha
barca... Ao pé do negro mastro,
triste a esperança
aperta o coração gelado.
Há muito tempo, como
um imóvel piloto,
todas as tardes a
Alma ao leme em vão aguça
perdidamente o olhar
na sombra que soluça,
e solta as ilusões –
pombas ao porto ignoto...
E fogem... lá se vão
a desfolhar-se as plumas
pelo vento que passa
açoitando-as de espumas,
tontas, sem tino,
atrás de uns enganosos flancos...
E em cada aurora
nova, em cada dia insano,
vê sempre a arca boiando
uns cadáveres brancos
a umas asas em cruz amortalhando
o oceano!...
Referências:
Em Francês
SAMAIN, Albert. Les
colombes. Disponível neste endereço. Acesso em: 5 jun.
2022.
Em Português
SAMAIN, Albert. As
pombas. Tradução de Dunshee de Abranches. In: MAGALHÃES JR., R. (Org.). Antologia
de poetas franceses: do século XV ao século XX. Rio de Janeiro, RJ: Tupy,
1950. p. 382.
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