Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 9 de junho de 2022

Albert Samain - As pombas

Com título semelhante ao do famoso soneto de Raimundo Correia (v. neste endereço), este poema de Samain reflete quase o mesmo sentido de sublimação da alma a que aquele se cinge, muito embora, aqui, as alusões tenham certos atributos bíblicos, ou melhor, fazem lembrar a descrição da pomba retornando à arca de Noé com um ramo de oliveira no bico, a simbolizar paz, esperança e júbilo recuperado.

 

Mudando um pouco de foco: o precitado soneto de Raimundo Correia (1859-1911) foi objeto de censuras a título de eventual plágio de um gazel homônimo de Théophile Gautier (1811-1872) (v. aqui), sobretudo pelo seu teor (embora não pela forma), ainda que haja certas reelaborações, em especial no que tange às imagens empregadas como ‘locus’ de recolhimento das pombas: uma palmeira em Gautier, mas, em Correia, alguns pombais.

 

J.A.R. – H.C.

 

Albert Samain

(1858-1900)

 

Les colombes

 

Partout la mer unique étreint l’horizon nu,

L’horizon désastreux où la vieille arche flotte;

Au pied du mât penchant l’Espérance grelotte,

Croisant ses bras transis sur son coeur ingénu.

 

Depuis mille et mille ans pareils, le soir venu,

L’Ame assise à la barre, immobile pilote,

Regarde éperdument dans l’ombre qui sanglote

Ses colombes s’enfuir vers le port inconnu.

 

Elles s’en vont là-bas, éparpillant leurs plumes

A travers le vent fou qui les cingle d’écumes,

Ivres du vol sublime enfermé dans leurs flancs;

 

Et, chaque lendemain, au jour blême et cynique,

L’arche voit surnager leurs doux cadavres blancs,

Les deux ailes en croix sur la mer ironique.

 

A jovem Chaplin com uma pomba

Detalhe

(Charles Joshua Chaplin: pintor francês)

 

As pombas

 

O horizonte se abraça ao velho mar irado,

o horizonte fatal em que, errante, sem rastro,

flutua a velha barca... Ao pé do negro mastro,

triste a esperança aperta o coração gelado.

 

Há muito tempo, como um imóvel piloto,

todas as tardes a Alma ao leme em vão aguça

perdidamente o olhar na sombra que soluça,

e solta as ilusões – pombas ao porto ignoto...

 

E fogem... lá se vão a desfolhar-se as plumas

pelo vento que passa açoitando-as de espumas,

tontas, sem tino, atrás de uns enganosos flancos...

 

E em cada aurora nova, em cada dia insano,

vê sempre a arca boiando uns cadáveres brancos

a umas asas em cruz amortalhando o oceano!...

 

Referências:

 

Em Francês

 

SAMAIN, Albert. Les colombes. Disponível neste endereço. Acesso em: 5 jun. 2022.

 

Em Português

 

SAMAIN, Albert. As pombas. Tradução de Dunshee de Abranches. In: MAGALHÃES JR., R. (Org.). Antologia de poetas franceses: do século XV ao século XX. Rio de Janeiro, RJ: Tupy, 1950. p. 382.

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