Auden nos oferece
nestes versos um tocante esboço daquilo que se configura, de um lado, como uma pungente
alienação psicológica e, por outro, o tormento de se viver coletivamente em um
estado de insensibilidade, quando, a toda prova, as emoções tornam-se embotadas,
tudo como resultante de um quadro de impotência e de paralisia produzido, em
boa medida, pela turbulência da vida social e pela vulnerabilidade dos cidadãos
a uma moral duvidosa.
Somos nós mesmos,
portanto, que criamos o cenário angustioso do “Inferno” em que imersos, essa
ansiedade neurótica que “não está nem aqui nem lá”, senão na mente do próprio homem:
a autodestruição, de todo modo, é um encargo desafiador, e é “Só o desafio à
nossa vontade / Nosso orgulho de aprender alguma arte” o que nos faz preferir o
mais afanoso dos caminhos.
J.A.R. – H.C.
W. H. Auden
(1907-1973)
Hell
Hell is neither here
nor there
Hell is not anywhere
Hell is hard to bear.
It is so hard to
dream posterity
Or haunt a ruined
century
And so much easier to
be.
Only the challenge to
our will,
Our pride in learning
any skill,
Sustains our effort
to be ill.
To talk the
dictionary through
Without a chance word
coming true
Is more than Darwin’s
apes could do.
Yet pride alone could
not insist
Did we not hope, if
we persist,
That one day Hell
might actually exist.
In time, pretending
to be blind
And universally
unkind
Might really send us
out of our mind.
If we were really
wretched and asleep
It would be easy then
to weep,
It would be natural
to lie,
There’d be no living
left to die.
A Boca do Inferno
(Pieter Bruegel, o
Velho: pintor flamengo)
Inferno
O inferno não está
aqui nem lá
O inferno não está em
lugar algum
O inferno é árduo de
suportar.
É tão difícil
imaginar posteridade
Ou perseguir um
século destruído
E tão mais fácil o
ser-se.
Nosso orgulho de aprender alguma arte,
Sustenta nosso
esforço de ser mau.
Pesquisar o
dicionário inteiro
Sem o encontro de uma
palavra verdadeira
Está além do que os
monos de Darwin podem fazer.
Contudo o orgulho
somente não pode insistir
Não havendo
esperança, se persistimos
Que um dia o Inferno
deve existir.
Em tempo,
fingindo-nos de cegos
E universalmente
cruéis
Podemos em verdade
tornarmo-nos loucos.
Se realmente
estivéssemos exaustos e dormindo,
Seria fácil então
chorar,
Seria natural mentir,
Não restará vida para
morrer.
Referência:
AUDEN, W. H. Hell /
Inferno. Tradução de Yolanda Jordão. Revista da Academia Brasiliense de
Letras (ABrL), Brasília (DF), ano VIII, nº 9, p. 165-166 (em inglês) / p.
164-165 (em português), set. 1989.
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