A voz lírica tem
particular afeição por entidades – animadas ou não – que, sem destinatários
definidos – haja vista que “sozinhas” –, emitem suas “mensagens” em “dialetos”
específicos, em ambientes nos quais prepondera, correspondentemente, o lacunoso
e o silencioso: pianos, lobos e criaturas dadas a solilóquios.
Nos derradeiros
versos, duas combinações desconcertantes: (i) “erudição dos parvos”, uma construção
com nítido sentido antitético, pois quando se é parvo, estulto, referir-se à erudição
transporta a mirada para o polo oposto; e (ii) “inepta afasia”, como se fosse a
negação da negação, pois inepto é aquele que apresenta alguma incapacidade, e
afasia remete à ideia de perda da aptidão para se expressar ou compreender a palavra
falada ou escrita.
Mas o terceiro período,
em sua completude, permite-se interpretar de um modo certamente preciso: o
falante tem preferência por aqueles que se põem a monologar, em relação aos que,
sem ter nada para dizer senão bobagens, não conseguem se conter e permanecer em
silêncio.
Afinal, no silêncio, até
o homem mais estúpido pode parecer versado, mas quando ousa abrir a boca, logo
se percebe a incontinência de sua parvoíce: conheço alguém assim que, pelo momento, habita a cúpula política de Pindorama! (rs)
J.A.R. – H.C.
Alexandre Marino
(n. 1956)
Dialetos
Amo os pianos que
tocam sozinhos
entre o mofo das
paredes
e o silêncio da casa
vazia.
Amo os lobos que
uivam sozinhos
e a noite que os acolhe
na solidão das
ravinas.
Amo as criaturas que
falam sozinhas
diante da erudição
dos parvos
e sua inepta afasia.
Moça ao piano
(Sergei A. Vinogradov:
pintor russo)
Referência:
MARINO, Alexandre.
Dialetos. Revista da Academia Brasiliense de Letras (ABrL), Brasília
(DF), ano 1, fase 2, nº 1, p. 11, mar. 2020. Disponível neste endereço. Acesso em: 27 abr.
2022.
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