Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 6 de maio de 2022

Alexandre Marino - Dialetos

A voz lírica tem particular afeição por entidades – animadas ou não – que, sem destinatários definidos – haja vista que “sozinhas” –, emitem suas “mensagens” em “dialetos” específicos, em ambientes nos quais prepondera, correspondentemente, o lacunoso e o silencioso: pianos, lobos e criaturas dadas a solilóquios.

 

Nos derradeiros versos, duas combinações desconcertantes: (i) “erudição dos parvos”, uma construção com nítido sentido antitético, pois quando se é parvo, estulto, referir-se à erudição transporta a mirada para o polo oposto; e (ii) “inepta afasia”, como se fosse a negação da negação, pois inepto é aquele que apresenta alguma incapacidade, e afasia remete à ideia de perda da aptidão para se expressar ou compreender a palavra falada ou escrita.

 

Mas o terceiro período, em sua completude, permite-se interpretar de um modo certamente preciso: o falante tem preferência por aqueles que se põem a monologar, em relação aos que, sem ter nada para dizer senão bobagens, não conseguem se conter e permanecer em silêncio.

 

Afinal, no silêncio, até o homem mais estúpido pode parecer versado, mas quando ousa abrir a boca, logo se percebe a incontinência de sua parvoíce: conheço alguém assim que, pelo momento, habita a cúpula política de Pindorama! (rs)

 

J.A.R. – H.C.

 

Alexandre Marino

(n. 1956)

 

Dialetos

 

Amo os pianos que tocam sozinhos

entre o mofo das paredes

e o silêncio da casa vazia.

Amo os lobos que uivam sozinhos

e a noite que os acolhe

na solidão das ravinas.

Amo as criaturas que falam sozinhas

diante da erudição dos parvos

e sua inepta afasia.

 

Moça ao piano

(Sergei A. Vinogradov: pintor russo)

 

Referência:

 

MARINO, Alexandre. Dialetos. Revista da Academia Brasiliense de Letras (ABrL), Brasília (DF), ano 1, fase 2, nº 1, p. 11, mar. 2020. Disponível neste endereço. Acesso em: 27 abr. 2022.

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