A voz poética enceta
um monólogo entre o falante de agora e o menino que foi um dia, a pedalar uma
bicicleta, tal como – quem sabe? –, algum outro garoto que, pelo momento, haja avistado
a passear pelo Jardim das Tulherias, em Paris (FR): as memórias se fazem
presentes e protraem as suas linhas de força até as fronteiras de significado
que lhes são atribuídas pelo sujeito que as evoca.
Na mente de quem
recorda, há uma vã recusa em reconhecer que o tempo passou, que o que fomos não
se conforma ao que agora somos. Seja como for, as promessas de um futuro feliz,
erigidas no passado, podem muito bem se coadunar com as realizações em curso e
próximas de seu termo no presente: o itinerário do menino sobre a bicicleta,
desse modo, não se terá extraviado, e o seu sorriso de chegada denota a certeza
de ter usufruído uma vida significativa.
J.A.R. – H.C.
Alberto da Costa e
Silva
(n. 1931)
Breve Solilóquio no
Jardim das Tulherias
O que quer este
menino a andar de bicicleta,
senão lembrar-me do
que fui?
Senão, tonto de riso,
entre pombos e
pardais no chão
ensolarado,
fingir-me?
Não aceito o ter
sido. Nem me quero menor
no coração que
guardou o assombro e a fábula
de tudo o que viveu
como
um sonho escondido.
Os dias me cobraram o
que era infinito.
E, se agora persigo o
pedalar do menino,
é porque sei que sou
o final do seu riso.
As Tulherias: estudo
(Claude Monet: pintor
francês)
Referência:
COSTA E SILVA,
Alberto da. Breve solilóquio no Jardim das Tulherias. Revista da Academia
Brasiliense de Letras (ABrL), Brasília (DF), ano 1, fase 2, nº 3, p. 10,
fev. 2021. Disponível neste endereço. Acesso em: 25 abr.
2022.
Nenhum comentário:
Postar um comentário