Apesar de conectados
ao tema de Deus e sua Criação, estes versos de Machado deixam transparecer
muito mais uma fé antropocêntrica – digo melhor, no próprio homem –, do que uma
fé religiosa num Deus fundamento de todas as coisas, algo como se o autor ratificasse
a ideia de que Deus seria bem mais uma criação humana do que vice-versa.
Nada obstante, não
seria despropositada a hipótese de um vislumbre panteísta nas linhas do poema,
pois que os versos se atrelam, em boa medida, às forças da natureza – mar, procelas,
águas, mananciais.
Na seção VI, em todo
caso, constata-se a translação de um Deus católico que unifica três entidades –
Pai, Filho e Espírito Santo –, a outro que se unifica no próprio ser humano – o
Deus que levamos, o Deus que fazemos e o Deus que buscamos –, contudo jamais
encontrado, segundo o poeta.
J.A.R. – H.C.
Antonio Machado
(1875-1939)
Profesión de Fe
(Extracto)
V
Dios no es el mar,
está en el mar, riela
como luna en el agua,
o aparece
como una blanca vela;
en el mar se
despierta o se adormece.
Creó la mar, y nace
de la mar cual la
nube y la tormenta;
es el Criador y la
criatura lo hace;
su aliento es alma, y
por el alma alienta.
Yo he de hacerte, mi
Dios, cual tú me hiciste,
y para darte el alma
que me diste
en mí te he de crear.
Que el puro río
de caridad que fluye
eternamente,
fluya en mi corazón. ¡Seca, Dios mío,
de una fe sin amor la
turbia fuente!
VI
El Dios que todos
llevamos,
el Dios que todos
hacemos,
el Dios que todos
buscamos
y que nunca
encontraremos.
Tres dioses o tres
personas
del solo Dios
verdadero.
En: “Campos de
Castilla” (1907-1917)
O Gigante
(Jeff Christensen: artista
norte-americano)
Profissão de Fé
(Excerto)
V
Deus não é o mar,
está no mar, esplende
como a lua na água,
ou aparece
como uma vela branca;
no mar, desperta ou
adormece.
Criou o mar, e nasce
do mar como a nuvem e
a tormenta;
é o Criador e a
criatura o faz;
seu respiro é alma, e
pela alma respira.
Hei de fazer-te, meu
Deus, como tu me fizeste,
e para dar-te a alma
que me deste
em mim hei de
criar-te. Que o rio puro
da caridade, em
eterno fluxo,
flua em meu coração.
Seca, meu Deus,
de uma fé sem amor a
turva fonte!
VI
O Deus que todos levamos,
o Deus que todos
fazemos,
o Deus que todos
buscamos
e que nunca
encontraremos.
Três deuses ou três
pessoas
do único Deus
verdadeiro.
Em: “Campos de
Castela” (1907-1917)
Referência:
MACHADO, Antonio.
Profesión de fe: extracto. In: __________. Poesias completas. 10 ed.
Madrid, ES: Espasa-Calpe, 1963. p. 165.
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