Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 25 de maio de 2022

Anna Akhmátova - Cleópatra

Talvez guiada pela peça “Antônio e Cleópatra”, de Shakespeare, Akhmátova, de todo modo, acaba por distanciar-se em alguma medida do texto do bardo: na tragédia, os lábios que a rainha beija são lábios de um moribundo Antônio – não de um morto –, na tentativa de reanimá-lo à vida, e não há pranto diante de Augusto, embora houvesse se ajoelhado para manter um diálogo hábil que, em seus fundamentos, escondia os temores de submissão externa.

 

Presume-se, pela redação dos versos, que o “último cativado por sua beleza” tenha sido um emissário de Augusto, que acabaria por lhe revelar “envergonhado” as intenções do imperador, levando-a a decidir-se por dar termo à vida, deixando-se picar por uma serpente venenosa do Nilo.

 

Nota de Lauro Machado Coelho ao Poema

 

A epígrafe é do poema de Púshkin sobre a rainha egípcia. Escrito quando Liev Gumilióv estava preso, este é um dos poemas em que Akhmátova utiliza personagens históricas para fazer alusões indiretas à sua própria situação. Vistas desse ângulo, adquirem sentido muito claro as imagens da mulher derrotada que pede clemência a seu conquistador, horroriza-se ao pensar que seus filhos serão postos a ferros e reage à indignidade do destino, optando por dar fim à sua própria vida (uma ideia que encontra ressonâncias, por exemplo, no poema do Réquiem em que Akhmátova faz a invocação à morte). (AKHMÁTOVA, 2014, p. 172)

 

J.A.R. – H.C.

 

Anna Akhmátova

(1889-1966)

 

Клеопатра

Александрийские чертоги

Покрыла сладостная тень.

Пушкин

 

Уже целовала Антония мертвые губы,

Уже на коленях пред Августом слезы лила...

И предали слуги. Грохочут победные трубы

Под римским орлом, и вечерняя стелется мгла.

 

И входит последний плененный ее красотою,

Высокий и статный, и шепчет в смятении он:

«Тебя как рабыню... в триумфе пошлет пред собою...»

Но шеи лебяжьей все так же спокоен наклон.

 

А завтра детей закуют. О, как мало осталось

Ей дела на свете еще с мужиком пошутить

И черную змейку, как будто прощальную жалость,

На смуглую грудь равнодушной рукой положить.

 

7/2/1940

 

Cleópatra e César

(Jean-Léon Gérôme: pintor francês)

 

Cleópatra

 

Os palácios de Alexandria

cobriram-se com doce sombra.

Púshkin

 

 

Ela já beijara os lábios mortos de Antônio,

prosternada diante de Augusto já derramara suas lágrimas...

E seus servos a traíram. Trombetas vitoriosas ressoam

sob a águia romana. E a névoa noturna vem descendo.

 

Entra, então, o último cativo de sua beleza,

tão alto e tão sério, e sussurra envergonhado:

“Tu – como uma escrava... em triunfo te arrastarão diante dele...”

Mas seu colo de cisne permanece placidamente inclinado.

 

E amanhã porão seus filhos a ferros. Oh, quão pouco lhe resta

a fazer nesta terra – brincar um pouco com este garoto

e, depois, a negra víbora, como num doentio gesto de compaixão,

pôr sobre o seio moreno com mão indiferente.

 

7/2/1940

 

Referências:

 

Em Russo

 

АХМАТОВА, Анна. Клеопатра. Disponível neste endereço. Acesso em: 8 mai. 2022.

 

Em Português

 

AKHMÁTOVA, Anna. Cleópatra. Tradução de Lauro Machado Coelho. In: __________. Anna Akhmátova: seleção, tradução, apresentação e notas de Lauro Machado Coelho. Porto Alegre, RS: L&PM, 2014. p. 88. (L&PM Pocket; v. 751)

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