Talvez guiada pela peça
“Antônio e Cleópatra”, de Shakespeare, Akhmátova, de todo modo, acaba por distanciar-se
em alguma medida do texto do bardo: na tragédia, os lábios que a rainha beija são
lábios de um moribundo Antônio – não de um morto –, na tentativa de reanimá-lo
à vida, e não há pranto diante de Augusto, embora houvesse se ajoelhado para
manter um diálogo hábil que, em seus fundamentos, escondia os temores de submissão
externa.
Presume-se, pela redação
dos versos, que o “último cativado por sua beleza” tenha sido um emissário de
Augusto, que acabaria por lhe revelar “envergonhado” as intenções do imperador,
levando-a a decidir-se por dar termo à vida, deixando-se picar por uma serpente
venenosa do Nilo.
Nota de Lauro Machado
Coelho ao Poema
A epígrafe é do poema
de Púshkin sobre a rainha egípcia. Escrito quando Liev Gumilióv estava preso,
este é um dos poemas em que Akhmátova utiliza personagens históricas para fazer
alusões indiretas à sua própria situação. Vistas desse ângulo, adquirem sentido
muito claro as imagens da mulher derrotada que pede clemência a seu
conquistador, horroriza-se ao pensar que seus filhos serão postos a ferros e
reage à indignidade do destino, optando por dar fim à sua própria vida (uma
ideia que encontra ressonâncias, por exemplo, no poema do Réquiem em que
Akhmátova faz a invocação à morte). (AKHMÁTOVA, 2014, p. 172)
J.A.R. – H.C.
Anna Akhmátova
(1889-1966)
Клеопатра
Александрийские чертоги
Покрыла сладостная тень.
Пушкин
Уже целовала Антония мертвые губы,
Уже на коленях пред Августом слезы лила...
И предали слуги. Грохочут победные трубы
Под римским орлом, и вечерняя стелется мгла.
И входит последний плененный ее красотою,
Высокий и статный, и шепчет в смятении он:
«Тебя – как рабыню... в триумфе пошлет пред собою...»
Но шеи лебяжьей все так же спокоен наклон.
А завтра детей закуют. О, как мало осталось
Ей дела на свете – еще с мужиком пошутить
И черную змейку, как будто прощальную жалость,
На смуглую грудь равнодушной рукой положить.
7/2/1940
Cleópatra e César
(Jean-Léon Gérôme:
pintor francês)
Cleópatra
Os palácios de
Alexandria
cobriram-se com doce
sombra.
Púshkin
Ela já beijara os
lábios mortos de Antônio,
prosternada diante de
Augusto já derramara suas lágrimas...
E seus servos a
traíram. Trombetas vitoriosas ressoam
sob a águia romana. E
a névoa noturna vem descendo.
Entra, então, o
último cativo de sua beleza,
tão alto e tão sério,
e sussurra envergonhado:
“Tu – como uma
escrava... em triunfo te arrastarão diante dele...”
Mas seu colo de cisne
permanece placidamente inclinado.
E amanhã porão seus
filhos a ferros. Oh, quão pouco lhe resta
a fazer nesta terra –
brincar um pouco com este garoto
e, depois, a negra
víbora, como num doentio gesto de compaixão,
pôr sobre o seio
moreno com mão indiferente.
7/2/1940
Referências:
Em Russo
АХМАТОВА, Анна. Клеопатра. Disponível neste
endereço. Acesso em: 8 mai. 2022.
Em Português
AKHMÁTOVA, Anna.
Cleópatra. Tradução de Lauro Machado Coelho. In: __________. Anna Akhmátova:
seleção, tradução, apresentação e notas de Lauro Machado Coelho. Porto Alegre,
RS: L&PM, 2014. p. 88. (L&PM Pocket; v. 751)
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