Num soneto
metrificado a dez silabas poéticas, mas sem rimas – ou mais propriamente,
somente com algumas incidentais –, a voz poética personaliza elementos
resultantes do próprio ato de criar poemas, associando-os à figura mitológica
de Ícaro, aparatado por uma “geringonça” criada por seu pai, Dédalo, para
alcançar grandes alturas em fuga, mas não a ponto de – espera-se – os raios
solares virem a desconjuntá-la, como no enredo da lenda! Ou pela mirada do
falante: que o engenho se abeire do “nada, do seu destino, de sua dádiva”.
Uma observação: a
transcrição do soneto, tal como abaixo apresentada, reproduz de modo fiel,
textual e graficamente, a redação inserta na obra em referência ao final desta
postagem. Observei, contudo, que, no blog do próprio poeta (v. aqui),
há uma versão que difere em alguns pontos da ora postada, talvez por efeito de
eventual revisão promovida pelo autor.
J.A.R. – H.C.
Antonio Cicero
(n. 1945)
Deus ex machina
Serei ainda mais um decassílabo
e mais um soneto e
ainda por cima
invocarei, só por
questão de rima,
figuras mitológicas,
feito Ícaro,
cativo do labirinto
que Dédalo,
seu pai, artífice
também das asas
que brindariam ao
filho, bipétalo,
seu mergulho no azul,
arquitetara.
Dédalo explicou a
precariedade
do artefacto de papel
e madeira
colados com cola de
goma-arábica
que o sol dissolve. Mas
agora é tarde
e a geringonça rasga o
céu à beira
do nada, seu destino,
sua dádiva.
Deus ex machina
(Santiago Caruso:
pintor argentino)
Referência:
CICERO, Antonio. Deus
ex machina. In: PEDROSA, Celia (Org.). Mais poesia hoje. Rio de Janeiro,
RJ: 7Letras, 2000. p. 178.
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