Vogando pelos temas do
livre arbítrio ilusório e da inevitabilidade da morte, este soneto de Borges
nos reputa presos a um destino “irrevogável”, num ciclo que nos agrilhoa a um
ergástulo, imagem que logo nos traz à mente a ideia de recinto onde se aprisionavam
escravos – o que seríamos sob os elos pertinazes do tempo.
Mostra-se um pouco livre
a interpretação de Borges sobre o oráculo ou sistema divinatório do I Ching, pois
em seus hexagramas não se percebe muito bem a presença de uma deidade encerrando
os destinos dos consulentes em uma pauta mais ou menos rígida, dificilmente “fendida”,
senão que os sentidos extraíveis às figuras são tão vastos quantos os giros de
hermenêutica a que se propuserem os perquiridores.
Ademais, o subtítulo
da obra resgata a ideia de que as engrenagens da vida comportam suficiente dinâmica
– “O Livro das Mutações”: ‘mutatis mutantis’, vai-se por aqui e não por ali e
as possibilidades de combinações ou de arranjos, ainda mais exacerbadas pelas linhas
móveis, confluem ao incalculável, assim como incalculáveis são as inquirições
que podem ser dirigidas ao Oráculo.
J.A.R. – H.C.
Jorge Luis Borges
(1899-1986)
Para una versión del I
King
El porvenir es tan
irrevocable
Como el rígido ayer.
No hay una cosa
Que no sea una letra
silenciosa
De la eterna
escritura indescifrable
Cuyo libro es el
tiempo. Quien se aleja
De su casa ya ha
vuelto. Nuestra vida
Es la senda futura y
recorrida.
Nada nos dice adiós.
Nada nos deja.
No te rindas. La
ergástula es oscura,
La firme trama es de
incesante hierro,
Pero en algún recodo
de tu encierro
Puede haber un
descuido, una hendidura,
El camino es fatal
como la flecha
Pero en las grietas
está Dios, que acecha.
En: “La moneda de
hierro” (1976)
Ting (O Caldeirão)
(Daniel Carranza:
artista argentino)
Para uma versão do I
Ching
Nosso futuro é tão
irrevogável
Quanto o rígido
ontem. Não há nada
Que não seja uma
letra calada
Da eterna escritura
indecifrável
Cujo livro é o tempo.
Quem se demora
Longe de casa já
voltou. A vida
É a senda futura e
percorrida.
Nada nos diz adeus.
Nada vai embora.
Não te rendas. A
masmorra é escura,
A firme trama é de
incessante ferro,
Porém em algum canto
de teu encerro
Pode haver um
descuido, a rachadura.
O caminho é fatal
como a seta,
Mas Deus está à
espreita entre a greta.
Em: “A moeda de
ferro” (1976)
Referência:
BORGES, Jorge Luis. Para
una versión del I King / Para uma versão do I Ching. Tradução de
Josely Vianna Baptista. In: __________. Poesia. Tradução de Josely
Vianna Baptista. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2009. Em espanhol: p. 543;
em português: p. 236.
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