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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 13 de maio de 2022

Jorge Luis Borges - Para uma versão do I Ching

Vogando pelos temas do livre arbítrio ilusório e da inevitabilidade da morte, este soneto de Borges nos reputa presos a um destino “irrevogável”, num ciclo que nos agrilhoa a um ergástulo, imagem que logo nos traz à mente a ideia de recinto onde se aprisionavam escravos – o que seríamos sob os elos pertinazes do tempo.

 

Mostra-se um pouco livre a interpretação de Borges sobre o oráculo ou sistema divinatório do I Ching, pois em seus hexagramas não se percebe muito bem a presença de uma deidade encerrando os destinos dos consulentes em uma pauta mais ou menos rígida, dificilmente “fendida”, senão que os sentidos extraíveis às figuras são tão vastos quantos os giros de hermenêutica a que se propuserem os perquiridores.

 

Ademais, o subtítulo da obra resgata a ideia de que as engrenagens da vida comportam suficiente dinâmica – “O Livro das Mutações”: ‘mutatis mutantis’, vai-se por aqui e não por ali e as possibilidades de combinações ou de arranjos, ainda mais exacerbadas pelas linhas móveis, confluem ao incalculável, assim como incalculáveis são as inquirições que podem ser dirigidas ao Oráculo.

 

J.A.R. – H.C.

 

Jorge Luis Borges

(1899-1986)

 

Para una versión del I King

 

El porvenir es tan irrevocable

Como el rígido ayer. No hay una cosa

Que no sea una letra silenciosa

De la eterna escritura indescifrable

Cuyo libro es el tiempo. Quien se aleja

De su casa ya ha vuelto. Nuestra vida

Es la senda futura y recorrida.

Nada nos dice adiós. Nada nos deja.

No te rindas. La ergástula es oscura,

La firme trama es de incesante hierro,

Pero en algún recodo de tu encierro

Puede haber un descuido, una hendidura,

El camino es fatal como la flecha

Pero en las grietas está Dios, que acecha.

 

En: “La moneda de hierro” (1976)

 

Ting (O Caldeirão)

(Daniel Carranza: artista argentino)

 

Para uma versão do I Ching

 

Nosso futuro é tão irrevogável

Quanto o rígido ontem. Não há nada

Que não seja uma letra calada

Da eterna escritura indecifrável

Cujo livro é o tempo. Quem se demora

Longe de casa já voltou. A vida

É a senda futura e percorrida.

Nada nos diz adeus. Nada vai embora.

Não te rendas. A masmorra é escura,

A firme trama é de incessante ferro,

Porém em algum canto de teu encerro

Pode haver um descuido, a rachadura.

O caminho é fatal como a seta,

Mas Deus está à espreita entre a greta.

 

Em: “A moeda de ferro” (1976)

 

Referência:

 

BORGES, Jorge Luis. Para una versión del I King / Para uma versão do I Ching. Tradução de Josely Vianna Baptista. In: __________. Poesia. Tradução de Josely Vianna Baptista. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2009. Em espanhol: p. 543; em português: p. 236.

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