Uma coisa é observar os
eventos e trazê-los na memória até o tempo presente, para lhes reavivar as
imagens; outra, saber da transitoriedade, da efemeridade da existência, imersa
na contingência de todas as manifestações fenomênicas – como a própria vida da poetisa,
metaforizada em “um desenho de voo e um balançar de ramos”.
O título do poema – “Fragmento”
– já revela por si só o caráter precário e fugaz da paisagem existencial,
tantas vezes evocado nas obras de ilustração orientais: sublinham elas o império
emblemático dos ciclos, diante dos quais o ser humano não deve apegar-se às
aparências, senão tão apenas fruir-lhes a beleza e os finitos prazeres que proporcionam.
J.A.R. – H.C.
Celina Ferreira
(1928-2012)
Fragmento
Uma coisa é eu estar
olhando a tarde e o tempo
em vertical, caindo
como chuva. Uma coisa
é eu falar sozinha
uma palavra e, receosa,
ferir de medo a minha
solidão.
Eis que uns ramos
frágeis de hera balançaram
e um pássaro traçou o
voo que nunca se apagará
na minha lembrança.
Outra coisa é eu saber
que a minha vida é um
desenho de voo e um
balançar de ramos.
Garota em um balanço
(Winslow Homer:
pintor norte-americano)
Referência:
FERREIRA, Celina.
Fragmento. In: BRAGA, Rubem. A poesia é necessária. Organização de André
Seffrin. São Paulo, SP: Global, 2015. p. 127.
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