O passado como um
segundo coração a bater no peito, mas que, sem materialidade, somente se faz
sentir por uma “violenta pulsação” “nas tardes cheias de alma em que essa voz
ressoa”: as palavras do poeta, s.m.j., fala-nos da beleza nostálgica de um declínio,
imagem e hora da saudade e da melancolia, quando a vida se aproxima de seu
crepúsculo.
Há quem prefira não
reviver o passado, sacudindo a poeira das sandálias, quer na tentativa de
sufocar sentimentos de culpa indelevelmente gravados na memória, quer para
esquecer experiências dolorosas associadas à família, amizades ou ao próprio país
de nascimento.
Outros há, como o
poeta, que procuram acessar a beleza retida nos eventos do passado, à procura
de resgatar, talvez, fórmulas que deram certo para replicá-las no presente, mas
que, pelo visto, acabam por desencaminhar-se no labirinto simbólico das coisas
acontecidas.
J.A.R. – H.C.
Henry Bataille
(1872-1922)
Le passé
(Fragment)
Le passé, c’est un
second cœur qui bat en nous…
on l’entend, dans nos
chairs, rythmer à petits coups,
sa cadence, pareille
à l’autre cœur, – plus loin,
l’espace est imprécis
où ce cœur a sa place,
mais on l’entend,
comme un grand écho, néanmoins,
alimenter le fond de
l’être et sa surface.
Il bat. Quand le
silence en nous se fait plus fort
cette pulsation mystérieuse
est là
qui continue… Et
quand on rêve il bat encor,
et quand on souffre
il bat, et quand on aime il bat…
Toujours! C’est un
prolongement de notre vie…
Mais si vous
recherchez, pour y porter la main,
où peut être la
source heureuse et l’eurythmie
de son effluve…
Rien!… Vous ne trouverez rien
sous les doigts… Il
échappe. Illusion… Personne
ne l’a trouvé jamais…
Il faut nous contenter
d’en sentir, à coups
sourds, l’élan précipité,
dans les soirs trop
humains où ce grand cœur résonne.
O passado era o seu
melhor amigo
(Erik Pevernagie:
pintor belga)
O passado
(Fragmento)
Ele é um segundo
coração que bate em nós.
Surdamente, na carne,
ouve-se a sua voz
Num ritmo igual ao do
primeiro coração.
A gente ignora onde
ele esteja: ouve-o bater
E vir, num eco
imenso, numa ondulação,
Alimentar o fundo e o
nível do seu ser.
Bate. Quando o
silêncio é mais forte, eis que vem
Aquela pulsação
misteriosa e nos chama
Sempre... e quando se
sonha ele bate também,
Quando se sofre,
bate... e bate quando se ama...
É uma continuação da
nossa própria vida...
Mas, quando a gente
tenta alcançá-la com a mão,
Onde esteja a
cadência ou a fonte escondida
Do seu eflúvio...
Nada! Inútil! Ilusão!
Ele escapa entre os
dedos. Vai-se. Foge. Voa...
Ninguém nunca o
tocou... E a gente se contenta
Só com poder
sentir-lhe a pulsação violenta
Nas tardes cheias de
alma em que essa voz ressoa...
Referência:
BATAILLE, Henry. Le
passé (Fragment) / O passado (Fragmento). Tradução de Guilherme de Almeida. In:
ALMEIDA, Guilherme de (Seleção e tradução). Poetas de França. Prefácio
de Marcelo Tápia. 5. ed. São Paulo, SP: Babel, 2011. Em francês: p. 148; em
português: p. 149.
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