Sobre o próprio
ofício, o poeta carioca teoriza para antepor suas considerações antes que se
esvaia toda a lubricidade que dá apetite a um propósito de vida, apresentando alternativas
mais concretas a uma forma descompromissada ou indiferente de se produzir poesia,
como se fosse bem mais um padrão de passar o tempo aos entediados ou aos abstraídos.
Não assim: construir
o poema parece-se a erigir um construto tijolo a tijolo, arar a terra devoluta
das palavras para fazê-las “confessar” a beleza que lhes subjaz, adubar um
terreno com fertilizantes para despertar a cada dia a volúpia necessária a deflorar
o véu que encobre o sentido último da realidade.
J.A.R. – H.C.
Fernando Mendes
Vianna
(1933-2006)
Poética
I
Não a pena sobre o
papel como um gesto distraído,
desenho de quem fala
ao telefone;
nem a pena sobre o
papel como um sutil
pincel de aquarelista
chinês; nem a pena
sobre o papel como um
cálculo aritmético
na máquina;
mas a pena sobre o
papel como um beijo, um
grito e uma bofetada;
mas a pena sobre o
papel como se a tinta
fosse argamassa e as
palavras tijolos; a
pena sobre o papel
como um arado na
terra.
II
Antes que o tempo se
torne troféu de caça,
pele de tigre –
tapete num chão de mármore –;
antes que o tempo se
transforme em calendário
– sinistra flor de
papel e tédio –;
antes que o tempo
engorde como um porco;
antes que o tempo
murche, pênis velho;
penduremos ao pescoço
o amuleto do crânio
e adubemos de esperma
todas as coisas.
A Construção do
Templo I
(Sergej Sutyagin:
pintor russo)
Referência:
VIANNA, Fernando
Mendes. Poética. In: __________. Antologia pessoal. Brasília, DF:
Thesaurus, 2001. p. 39-40. (‘Antologia pessoal’; n. 3)
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