Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 21 de maio de 2022

Fernando Mendes Vianna - Poética

Sobre o próprio ofício, o poeta carioca teoriza para antepor suas considerações antes que se esvaia toda a lubricidade que dá apetite a um propósito de vida, apresentando alternativas mais concretas a uma forma descompromissada ou indiferente de se produzir poesia, como se fosse bem mais um padrão de passar o tempo aos entediados ou aos abstraídos.

 

Não assim: construir o poema parece-se a erigir um construto tijolo a tijolo, arar a terra devoluta das palavras para fazê-las “confessar” a beleza que lhes subjaz, adubar um terreno com fertilizantes para despertar a cada dia a volúpia necessária a deflorar o véu que encobre o sentido último da realidade.

 

J.A.R. – H.C.

 

Fernando Mendes Vianna

(1933-2006)

 

Poética

 

I

 

Não a pena sobre o papel como um gesto distraído,

desenho de quem fala ao telefone;

nem a pena sobre o papel como um sutil

pincel de aquarelista chinês; nem a pena

sobre o papel como um cálculo aritmético

na máquina;

 

mas a pena sobre o papel como um beijo, um

grito e uma bofetada; mas a pena sobre o

papel como se a tinta fosse argamassa e as

palavras tijolos; a pena sobre o papel

como um arado na terra.

 

II

 

Antes que o tempo se torne troféu de caça,

pele de tigre – tapete num chão de mármore –;

antes que o tempo se transforme em calendário

– sinistra flor de papel e tédio –;

antes que o tempo engorde como um porco;

 

antes que o tempo murche, pênis velho;

 

penduremos ao pescoço o amuleto do crânio

e adubemos de esperma todas as coisas.

 

A Construção do Templo I

(Sergej Sutyagin: pintor russo)

 

Referência:

 

VIANNA, Fernando Mendes. Poética. In: __________. Antologia pessoal. Brasília, DF: Thesaurus, 2001. p. 39-40. (‘Antologia pessoal’; n. 3)

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