Foi necessária uma
interrupção dos serviços de eletricidade na residência do falante, para que ele
se desse conta de certa beleza em que imerso, presente na natureza à volta,
onde se precipitou uma tormenta, deixando as árvores translúcidas, vergadas e encobertas
por uma geada esbranquiçada.
A mirada pela janela
alterou o estado de espírito do ente lírico, levando-o a uma espécie de
epifania, sentindo que sua vida, até então, havia transcorrido sob a égide da
decência e da virtude: tal estado de momentâneo êxtase – com tudo a retornar à
normalidade pelo restabelecimento da eletricidade e o derretimento da escarcha
pela luz do sol – equivaleria a um arquétipo de sublimação, de transfiguração,
mediante o qual a ordem magnificente da natureza costuma se revelar em sua
harmoniosa colação de prodígios.
Pouco antes do
amanhecer, quando ainda escuro, um apagão elétrico leva o falante a olhar para
fora, para a paisagem, que parece extraordinariamente tranquila. O orador
sente-se puro por dentro naquele momento. Mais tarde, na mesma manhã,
restabeleceu-se a eletricidade e “as coisas continuaram como antes”. (MILOSZ,
1998, p. 159)
J.A.R. – H.C.
Raymond Carver
(1938-1988)
The Window
A storm blew in last
night and knocked out
the electricity. When
I looked
through the window,
the trees were translucent.
Bent and covered with
rime. A vast calm
lay over the
countryside.
I knew better. But at
that moment
I felt I’d never in
my life made any
false promises, nor
committed
so much as one
indecent act. My thoughts
were virtuous. Later
on that morning,
of course,
electricity was restored.
The sun moved from
behind the clouds,
melting the
hoarfrost.
And things stood as
they had before.
Num jardim de inverno
(Mike Kowalski:
pintor norte-americano)
A Janela
Ontem à noite, a lufada
de uma tempestade cortou
o serviço de
eletricidade. Quando olhei
através da janela, as
árvores estavam translúcidas.
Vergadas e cobertas pela
escarcha. Uma vasta calma
pairava sobre o
campo.
Sabia que não era bem
assim. Mas, naquele momento,
senti que nunca em
minha vida havia feito
falsas promessas, nem
cometido
sequer um ato
indecente. Meus pensamentos
eram virtuosos. Mais
tarde, naquela manhã,
é claro, a
eletricidade foi restabelecida.
O sol moveu-se por
trás das nuvens,
derretendo a geada.
E as coisas voltaram
a ser como antes.
Referência:
CARVER, Raymond. The
window. In: MILOSZ, Czeslaw (Ed.). A book of luminous things: an
international anthology of poetry. 1st. ed. New York, NY: Houghton Mifflin
Harcourt, 1998. p. 159.
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