Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 14 de maio de 2022

Raymond Carver - A Janela

Foi necessária uma interrupção dos serviços de eletricidade na residência do falante, para que ele se desse conta de certa beleza em que imerso, presente na natureza à volta, onde se precipitou uma tormenta, deixando as árvores translúcidas, vergadas e encobertas por uma geada esbranquiçada.

 

A mirada pela janela alterou o estado de espírito do ente lírico, levando-o a uma espécie de epifania, sentindo que sua vida, até então, havia transcorrido sob a égide da decência e da virtude: tal estado de momentâneo êxtase – com tudo a retornar à normalidade pelo restabelecimento da eletricidade e o derretimento da escarcha pela luz do sol – equivaleria a um arquétipo de sublimação, de transfiguração, mediante o qual a ordem magnificente da natureza costuma se revelar em sua harmoniosa colação de prodígios.

 

Pouco antes do amanhecer, quando ainda escuro, um apagão elétrico leva o falante a olhar para fora, para a paisagem, que parece extraordinariamente tranquila. O orador sente-se puro por dentro naquele momento. Mais tarde, na mesma manhã, restabeleceu-se a eletricidade e “as coisas continuaram como antes”. (MILOSZ, 1998, p. 159)

 

J.A.R. – H.C.

 

Raymond Carver

(1938-1988)

 

The Window

 

A storm blew in last night and knocked out

the electricity. When I looked

through the window, the trees were translucent.

Bent and covered with rime. A vast calm

lay over the countryside.

I knew better. But at that moment

I felt I’d never in my life made any

false promises, nor committed

so much as one indecent act. My thoughts

were virtuous. Later on that morning,

of course, electricity was restored.

The sun moved from behind the clouds,

melting the hoarfrost.

And things stood as they had before.

 

Num jardim de inverno

(Mike Kowalski: pintor norte-americano)

 

A Janela

 

Ontem à noite, a lufada de uma tempestade cortou

o serviço de eletricidade. Quando olhei

através da janela, as árvores estavam translúcidas.

Vergadas e cobertas pela escarcha. Uma vasta calma

pairava sobre o campo.

Sabia que não era bem assim. Mas, naquele momento,

senti que nunca em minha vida havia feito

falsas promessas, nem cometido

sequer um ato indecente. Meus pensamentos

eram virtuosos. Mais tarde, naquela manhã,

é claro, a eletricidade foi restabelecida.

O sol moveu-se por trás das nuvens,

derretendo a geada.

E as coisas voltaram a ser como antes.

 

Referência:

 

CARVER, Raymond. The window. In: MILOSZ, Czeslaw (Ed.). A book of luminous things: an international anthology of poetry. 1st. ed. New York, NY: Houghton Mifflin Harcourt, 1998. p. 159.

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