Mota desvela a realidade
de pequenas vilas interioranas, onde a vida passa quase sem novidades, com as
pessoas e os seus afazeres sendo conhecidos praticamente por todos, nas quais o
nascer e o morrer são eventos não tão frequentes, os ilícitos esporádicos e a
mendicância fato incomum: um cenário que, quanto mais no anoitecer, equipara-se
ao daquele consignado no verso-epítome de Drummond – “Eta vida besta, meu Deus”.
(rs)
Se, por um lado, residir
numa vila ou “arraial” expõe o quotidiano de cada um à bisbilhotice e ao falatório
dos outros, por outro, têm-se como muito menos propensas as chances de um
residente deparar com quadros urbanos profundamente degradados – como as
favelas dos grandes centos urbanos ou áreas abertas de consumo de drogas ou que
tais –, além do incômodo provocado pelo barulho infernal ostensivo, pois que “as
metrópoles não dormem”.
J.A.R. – H.C.
Dantas Mota
(1913-1974)
Noturno de uma vila
qualquer
Nenhum ruído de cães
nas latas de lixo.
(Aqui não há cães,
nem latas de lixo.)
Como também não há os
mendigos.
Em uma ou outra casa,
se conversa,
E o pó do café,
escorrendo pelas janelas,
Preteja as paredes
dos fundos.
Olga, desfolhada, não
me veio esta noite.
Ninguém mesmo
tropeçou nas cadeiras da sala.
Mas deve haver algum
defunto, alguma
Criança germinando
dentro da noite.
E não é sem tempo que
Maria Balduína,
A parteira, com uma
luz acesa a desoras,
Domine as mulheres
grávidas da vila.
Orozimbo pisa que nem
distrito federal
A Ladeira do Meio, o
Beco dos Andrades,
Enquanto Pedro Vieira
ensaia u’a modinha qualquer
(felizmente
engasgada) à Anita Eleocádia.
O subdelegado de
polícia e a cadeia pública
Dormem. Rápido, um
vulto de preto, chicoteando
Morcegos, a Rua de
Cima atravessa,
Como se fora a viúva
do farmacêutico no cio,
Como se fora o padre
conduzindo a âmbula.
Havia mesmo uma
chusma de cavalos mancos
Pelas ruas. As almas,
pela noite, andavam
Como símios. Nem todo
o arraial dormia.
O próprio cemitério
matutava.
Aldeia ao anoitecer
(Agghazy Gyula:
artista húngaro)
Referência:
MOTA, Dantas. Noturno
de uma vila qualquer. In: __________. Elegias do País das Gerais: poesia
completa. Introdução de Carlos Drummond de Andrade. Rio de Janeiro, RJ: José Olympio;
Brasília, DF: INL, 1988. p. 41. (Coleção ‘Resgate’ – INL, v. 6)
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