Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 27 de maio de 2022

Dantas Mota - Noturno de uma vila qualquer

Mota desvela a realidade de pequenas vilas interioranas, onde a vida passa quase sem novidades, com as pessoas e os seus afazeres sendo conhecidos praticamente por todos, nas quais o nascer e o morrer são eventos não tão frequentes, os ilícitos esporádicos e a mendicância fato incomum: um cenário que, quanto mais no anoitecer, equipara-se ao daquele consignado no verso-epítome de Drummond – “Eta vida besta, meu Deus”. (rs)

 

Se, por um lado, residir numa vila ou “arraial” expõe o quotidiano de cada um à bisbilhotice e ao falatório dos outros, por outro, têm-se como muito menos propensas as chances de um residente deparar com quadros urbanos profundamente degradados – como as favelas dos grandes centos urbanos ou áreas abertas de consumo de drogas ou que tais –, além do incômodo provocado pelo barulho infernal ostensivo, pois que “as metrópoles não dormem”.

 

J.A.R. – H.C.

 

Dantas Mota

(1913-1974)

 

Noturno de uma vila qualquer

 

Nenhum ruído de cães nas latas de lixo.

(Aqui não há cães, nem latas de lixo.)

Como também não há os mendigos.

Em uma ou outra casa, se conversa,

E o pó do café, escorrendo pelas janelas,

Preteja as paredes dos fundos.

Olga, desfolhada, não me veio esta noite.

Ninguém mesmo tropeçou nas cadeiras da sala.

Mas deve haver algum defunto, alguma

Criança germinando dentro da noite.

E não é sem tempo que Maria Balduína,

A parteira, com uma luz acesa a desoras,

Domine as mulheres grávidas da vila.

Orozimbo pisa que nem distrito federal

A Ladeira do Meio, o Beco dos Andrades,

Enquanto Pedro Vieira ensaia u’a modinha qualquer

(felizmente engasgada) à Anita Eleocádia.

O subdelegado de polícia e a cadeia pública

Dormem. Rápido, um vulto de preto, chicoteando

Morcegos, a Rua de Cima atravessa,

Como se fora a viúva do farmacêutico no cio,

Como se fora o padre conduzindo a âmbula.

Havia mesmo uma chusma de cavalos mancos

Pelas ruas. As almas, pela noite, andavam

Como símios. Nem todo o arraial dormia.

O próprio cemitério matutava.

 

Aldeia ao anoitecer

(Agghazy Gyula: artista húngaro)

 

Referência:

 

MOTA, Dantas. Noturno de uma vila qualquer. In: __________. Elegias do País das Gerais: poesia completa. Introdução de Carlos Drummond de Andrade. Rio de Janeiro, RJ: José Olympio; Brasília, DF: INL, 1988. p. 41. (Coleção ‘Resgate’ – INL, v. 6)

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