Neste episódio, no
qual não houve um relacionamento mais íntimo, carnal, entre o falante (Bukowski?!...)
e uma poetisa talentosa – às voltas com homens que a tinham na cama, mas apenas
preocupados com a própria fama, dinheiro ou algo mais –, o que remanesce como
mensagem do poema é que a ausência de amor no curso da vida, enquanto
sentimento inconspurcado, pode levar a remates nada ditosos.
“Anjos e Deus” transpõem
o pensamento da suicida, como se a jovem já estivesse a projetar uma existência
em outro plano, não exatamente sujeita ao estilo de vida infeliz a que se
submetera. Quanto ao ente lírico, sabedor do funesto desenlace, concluiu que
melhor rompido, desse jeito ou de outro, o “amor epistolar” em pauta, antes que,
conhecendo-se presencialmente, um viesse a ser “injusto” com o outro.
J.A.R. – H.C.
Charles Bukowski
(1920-1994)
an almost made up
poem
I see you drinking at
a fountain with tiny
blue hands, no, your
hands are not tiny
they are small, and
the fountain is in France
where you wrote me
that last letter and
I answered and never
heard from you again.
you used to write
insane poems about
ANGELS AND GOD, all
in upper case, and you
knew famous artists
and most of them
were your lovers, and
I wrote back, it’s all right,
go ahead, enter their
lives, I’m not jealous
because we’ve never
met. we got close once in
New Orleans, one half
block, but never met, never
touched. so you went
with the famous and wrote
about the famous,
and, of course, what you found out
is that the famous
are worried about
their fame – not the
beautiful young girl in bed
with them, who gives
them that, and then awakens
in the morning to
write upper case poems about
ANGELS AND GOD. we
know God is dead, they’ve told
us, but listening to
you I wasn’t sure. maybe
it was the upper
case. you were one of the
best female poets and
I told the publishers,
editors, “print her,
print her, she’s mad but she’s
magic. there’s no lie
in her fire.” I loved you
like a man loves a
woman he never touches, only
writes to, keeps
little photographs of. I would have
loved you more if I
had sat in a small room rolling a
cigarette and
listened to you piss in the bathroom,
but that didn’t
happen. your letters got sadder.
your lovers betrayed
you. kid, I wrote back, all
lovers betray. it
didn’t help. you said
you had a crying
bench and it was by a bridge and
the bridge was over a
river and you sat on the crying
bench every night and
wept for the lovers who had
hurt and forgotten
you. I wrote back but never
heard again. a friend
wrote me of your suicide
3 or 4 months after
it happened. if I had met you
I would probably have
been unfair to you or you
to me. it was best
like this.
Encontrada afogada
(George Frederic
Watts: pintor inglês)
um poema quase feito
eu vejo você bebendo
numa fonte com suas
minúsculas mãos
azuis, não, suas mãos não são minúsculas
elas são pequenas e a
fonte é na França
de onde você me
escreveu aquela última carta e
eu respondi e nunca
mais obtive retorno.
você costumava
escrever poemas insanos sobre
ANJOS E DEUS, tudo em
caixa alta, e você
conhecia artistas
famosos e muitos deles
eram seus amantes, e
eu escrevia de volta, está tudo bem,
vá em frente, entre
na vida deles, não sou ciumento
porque nós nem nos
conhecemos. estivemos perto uma
vez em
New Orleans, metade
de uma quadra, mas nunca nos
encontramos,
nunca um contato.
assim você seguiu com os famosos,
escreveu
sobre os famosos, e,
claro, descobriu que os famosos
estavam preocupados
com a fama deles – não com a jovem e
bela garota em suas
camas, que lhes dava aquilo, e que
acordava
de manhã para
escrever em caixa alta poemas sobre
ANJOS E DEUS. nós
sabemos que Deus está morto, eles nos
disseram,
mas ao ouvi-la eu já
não tinha certeza. talvez
fosse a caixa alta.
você era uma das melhores poetas e eu
disse para os
editores, “publiquem-na,
publiquem-na, ela é louca, mas é
mágica. não há
mentira em seu fogo”. eu te amei
como um homem ama uma
mulher que jamais tocou, para
quem apenas escreveu,
de quem manteve algumas
fotografias. eu poderia
ter
te amado mais se eu
tivesse sentado numa pequena sala
enrolando um
cigarro e ouvindo
você mijar no banheiro,
mas isso não
aconteceu. suas cartas ficaram mais tristes.
seus amantes te
traíram. criança, escrevi de volta, todos os
amantes traem. isso
não ajudou. você disse
que tinha um banco em
que ia chorar e que ficava numa ponte
e a ponte ficava
sobre um rio e você sentava no seu banco
de chorar
todas as noites e
descia o pranto pelos amantes que
te machucaram e te
esqueceram. escrevi de volta, mas não
obtive
qualquer retorno. um
amigo me escreveu contando do seu
suicídio
3 ou 4 meses depois
de consumado. se eu tivesse te conhecido
provavelmente teria
sido injusto com você ou você
comigo. foi mesmo melhor
assim.
Referências:
Em Inglês
BUKOWSKI, Charles. an
almost made up poem. In: __________. Love is a dog from hell: poems,
1974-1977. Santa Rosa, CA: Black Sparrow Press, 1977. p. 47-48.
Em Português
BUKOWSKI, Charles. um
poema quase feito. Tradução de Pedro Gonzaga. In: __________. O amor é um
cão dos diabos. Tradução de Pedro Gonzaga. Porto Alegre, RS: L&PM,
2014. p. 47-48. (L&PM Pocket, vol. 888)
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário