Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 19 de maio de 2022

Charles Bukowski - um poema quase feito

Neste episódio, no qual não houve um relacionamento mais íntimo, carnal, entre o falante (Bukowski?!...) e uma poetisa talentosa – às voltas com homens que a tinham na cama, mas apenas preocupados com a própria fama, dinheiro ou algo mais –, o que remanesce como mensagem do poema é que a ausência de amor no curso da vida, enquanto sentimento inconspurcado, pode levar a remates nada ditosos.

 

“Anjos e Deus” transpõem o pensamento da suicida, como se a jovem já estivesse a projetar uma existência em outro plano, não exatamente sujeita ao estilo de vida infeliz a que se submetera. Quanto ao ente lírico, sabedor do funesto desenlace, concluiu que melhor rompido, desse jeito ou de outro, o “amor epistolar” em pauta, antes que, conhecendo-se presencialmente, um viesse a ser “injusto” com o outro.

 

J.A.R. – H.C.

 

Charles Bukowski

(1920-1994)

 

an almost made up poem

 

I see you drinking at a fountain with tiny

blue hands, no, your hands are not tiny

they are small, and the fountain is in France

where you wrote me that last letter and

I answered and never heard from you again.

you used to write insane poems about

ANGELS AND GOD, all in upper case, and you

knew famous artists and most of them

were your lovers, and I wrote back, it’s all right,

go ahead, enter their lives, I’m not jealous

because we’ve never met. we got close once in

New Orleans, one half block, but never met, never

touched. so you went with the famous and wrote

about the famous, and, of course, what you found out

is that the famous are worried about

their fame – not the beautiful young girl in bed

with them, who gives them that, and then awakens

in the morning to write upper case poems about

ANGELS AND GOD. we know God is dead, they’ve told

us, but listening to you I wasn’t sure. maybe

it was the upper case. you were one of the

best female poets and I told the publishers,

editors, “print her, print her, she’s mad but she’s

magic. there’s no lie in her fire.” I loved you

like a man loves a woman he never touches, only

writes to, keeps little photographs of. I would have

loved you more if I had sat in a small room rolling a

cigarette and listened to you piss in the bathroom,

but that didn’t happen. your letters got sadder.

your lovers betrayed you. kid, I wrote back, all

lovers betray. it didn’t help. you said

you had a crying bench and it was by a bridge and

the bridge was over a river and you sat on the crying

bench every night and wept for the lovers who had

hurt and forgotten you. I wrote back but never

heard again. a friend wrote me of your suicide

3 or 4 months after it happened. if I had met you

I would probably have been unfair to you or you

to me. it was best like this.

 

Encontrada afogada

(George Frederic Watts: pintor inglês)

 

um poema quase feito

 

eu vejo você bebendo numa fonte com suas

minúsculas mãos azuis, não, suas mãos não são minúsculas

elas são pequenas e a fonte é na França

de onde você me escreveu aquela última carta e

eu respondi e nunca mais obtive retorno.

você costumava escrever poemas insanos sobre

ANJOS E DEUS, tudo em caixa alta, e você

conhecia artistas famosos e muitos deles

eram seus amantes, e eu escrevia de volta, está tudo bem,

vá em frente, entre na vida deles, não sou ciumento

porque nós nem nos conhecemos. estivemos perto uma

vez em

New Orleans, metade de uma quadra, mas nunca nos

encontramos,

nunca um contato. assim você seguiu com os famosos,

escreveu

sobre os famosos, e, claro, descobriu que os famosos

estavam preocupados com a fama deles – não com a jovem e

bela garota em suas camas, que lhes dava aquilo, e que

acordava

de manhã para escrever em caixa alta poemas sobre

ANJOS E DEUS. nós sabemos que Deus está morto, eles nos

disseram,

mas ao ouvi-la eu já não tinha certeza. talvez

fosse a caixa alta. você era uma das melhores poetas e eu

disse para os

editores, “publiquem-na, publiquem-na, ela é louca, mas é

mágica. não há mentira em seu fogo”. eu te amei

como um homem ama uma mulher que jamais tocou, para

quem apenas escreveu, de quem manteve algumas

fotografias. eu poderia ter

te amado mais se eu tivesse sentado numa pequena sala

enrolando um

cigarro e ouvindo você mijar no banheiro,

mas isso não aconteceu. suas cartas ficaram mais tristes.

seus amantes te traíram. criança, escrevi de volta, todos os

amantes traem. isso não ajudou. você disse

que tinha um banco em que ia chorar e que ficava numa ponte

e a ponte ficava sobre um rio e você sentava no seu banco

de chorar

todas as noites e descia o pranto pelos amantes que

te machucaram e te esqueceram. escrevi de volta, mas não

obtive

qualquer retorno. um amigo me escreveu contando do seu

suicídio

3 ou 4 meses depois de consumado. se eu tivesse te conhecido

provavelmente teria sido injusto com você ou você

comigo. foi mesmo melhor assim.

 

Referências:

 

Em Inglês

 

BUKOWSKI, Charles. an almost made up poem. In: __________. Love is a dog from hell: poems, 1974-1977. Santa Rosa, CA: Black Sparrow Press, 1977. p. 47-48.

 

Em Português

 

BUKOWSKI, Charles. um poema quase feito. Tradução de Pedro Gonzaga. In: __________. O amor é um cão dos diabos. Tradução de Pedro Gonzaga. Porto Alegre, RS: L&PM, 2014. p. 47-48. (L&PM Pocket, vol. 888)

Nenhum comentário:

Postar um comentário