Sem haver encontrado quaisquer referências biográficas ao autor dos infratranscritos versos, decerto português, quer em livros quer na grande rede, deduzo, pela forma do poema – com linhas de métricas inconstantes, apesar de rimados no formato ‘abab’ –, que tenha vivido ao longo do século passado, talvez ainda em sua primeira metade, dadas as graduações um tanto simbolistas das imagens evocadas.
O tema aventado muito bem poderia ser uma espécie de parelha homóloga de uma tela impressionista, a se considerar o vibrante referencial pictórico que os versos incutem aos olhos do leitor: as brumas acercam-se de tudo e quase não há senda póstera a se vislumbrar, senão apenas vascas e memórias de um encalhado escaler, onde foram a pique os sonhos do falante-pirata.
J.A.R. – H.C.
Espírito proveniente das brumas
(Janina Knap: artista polonesa)
Bruma
Barco de bruma
na bruma perdido.
Barco vazio, velho
e sem sentido...
Cai da bruma a luz difusa
e na bruma fria
se gasta e morre a alma ilusa –
– morta lívida caída aos pés do dia...
Mastros de bruma, quebrados,
bandeira negra vencida –
– glória jogada aos dados
e perdida.
No mastro de bruma que na bruma flutua,
ondeia – ondeia mágica e fria –
a doida imagem que eu amo e é Lua
vazada em alma num morto dia...
“– Pirata dum sonho morto,
preso sem remédio ao leme partido,
vagabundo inerte do Mar-Absorto,
encalha de vez teu barco batido.
Já não tens batalhas para travar,
a Lua odeia-te e já não há no céu
estreias para contar.
É tudo da bruma. Só o Passado é teu.”
Como formas vaporosas a meia vista
(France Jodoin: artista canadense)
Referência:
OGANDO, Vasco de Araújo. Bruma. In:
__________. Inquietação: poemas. Lisboa, PT: Portugália, outono 1950. p.
58-59.
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