Pejado de um estado anímico um tanto pessimista e angustioso, este poema de Neruda avança amparado por um ‘leitmotiv’ bastante adequado às suas desesperanças – “Acontece que me canso de ser homem” –, tanto mais que as coisas, à volta, parecem não fluir conforme o desejado, nesse peregrinar por terras distantes, outras culturas, outros idiomas, outras realidades.
As imagens evocadas por Neruda são quotidianas e urbanas, antirreligiosas até, transidas, em sua artificialidade, por breves incursões osculatórias a um padrão surrealista: sente-se a dor de se estar no mundo; vislumbram-se as relações conflituosas entre o indivíduo e a sociedade; distinguem-se, num fundo austero e implacável, as arestas pungentes legadas por uma consciência política em contínua ebulição.
J.A.R. – H.C.
Pablo Neruda
(1904-1973)
Walking Around
Sucede que me canso de ser hombre.
Sucede que entro en las sastrerías y en los cines
marchito, impenetrable, como un cisne de fieltro
navegando en un agua de origen y ceniza.
El olor de las peluquerías me hace llorar a gritos.
Sólo quiero un descanso de piedras o de lana,
sólo quiero no ver establecimientos ni jardines,
ni mercaderfas, ni anteojos, ni ascensores.
Sucede que me canso de mis pies y mis uñas
y mi pelo y mi sombra.
Sucede que me canso de ser hombre.
Sin embargo seria delicioso
asustar a un notario con un lirio cortado
o dar muerte a una monja con un golpe de oreja.
Seria bello
ir por las calles con un cuchillo verde
y dando gritos hasta
morir de frio.
No quiero seguir
siendo raiz en las tinieblas,
vacilante, extendido,
tiritando de suefio,
hacia abajo, en las
tripas mojadas de la tierra,
absorbiendo y
pensando, comiendo cada dia.
No quiero para mí tantas
desgradas.
No quiero continuar
de raiz y de tumba,
de subterrâneo solo,
de bodega con muertos,
aterido, muriéndome
de pena.
Por eso el dia lunes
arde como el petróleo
cuando me ve llegar
con mi cara de cárcel,
y aúlla en su
transcurso como una rueda herida,
y da pasos de sangre
caliente hacia la noche.
Y me empuja a ciertos
rincones, a ciertas casas húmedas,
a hospitales donde
los huesos salen por la ventana,
a ciertas zapaterías
con olor a vinagre,
a calles espantosas
como grietas.
Hay pájaros de color
de azufre y horribles intestinos
colgando de las
puertas de las casas que odio,
hay dentaduras
olvidadas en una cafetera,
hay espejos
que debieran haber
llorado de vergüenza y espanto,
hay paraguas en todas
partes, y venenos, y ombligos.
Yo paseo con calma, con
ojos, con zapatos,
con furia, con
olvido,
paso, cruzo oficinas
y tiendas de ortopedia,
y patios donde hay
ropas colgadas de un alambre:
calzoncillos, toallas
y camisas que lloran
lentas lágrimas
sucias.
Caminhando por Paris
(Olha Darchuk: pintora ucraniana)
Walking Around
Acontece que me canso de ser homem.
Acontece que entro nas alfaiatarias e nos cinemas
murcho, impenetrável, como um cisne de feltro
navegando numa água de origem e cinza.
O cheiro das barbearias me faz chorar aos gritos.
Só quero um descanso de pedras ou de lã,
só quero não ver mais estabelecimentos nem jardins,
nem mercadorias, nem óculos, nem elevadores.
Acontece que me canso dos meus pés e das minhas
unhas
e do meu cabelo e da minha sombra.
Acontece que me canso de ser homem.
No entanto seria delicioso
assustar um notário com um lírio cortado
ou dar a morte a uma freira com um golpe de orelha.
Seria belo
ir pelas ruas com uma faca verde
e dando gritos até morrer de frio.
Não quero continuar sendo raiz nas trevas,
vacilante, estendido, tiritando de sono,
para baixo, nas tripas molhadas da terra,
absorvendo e pensando, comendo cada dia.
Não quero para mim tantas desgraças.
Não quero continuar de raiz e túmulo,
de subterrâneo solitário, de adega com mortos,
transido, morrendo de pena.
Por isso a segunda-feira arde como o petróleo
quando me vê chegar com a minha cara de cárcere,
e uiva no seu transcurso como roda ferida,
e dá passos de sangue quente para a noite.
E me empurra para certos recantos, para certas
casas úmidas,
para hospitais de onde os ossos saem pela janela,
para certas sapatarias com cheiro de vinagre,
para ruas horríveis como gretas.
Há pássaros cor de enxofre e horríveis intestinos
pendurados nas portas das casas que odeio,
há dentaduras esquecidas numa cafeteira,
há espelhos
que deviam ter chorado de vergonha e espanto,
há guarda-chuvas por todas as partes, e venenos e
umbigos.
Eu passeio com calma, com olhos, com sapatos,
com fúria, com esquecimento,
passo, cruzo escritórios e lojas de ortopedia,
e pátios onde há roupas penduradas dum arame:
cuecas, toalhas e camisas que choram
lentas lágrimas sujas.
Referência:
NERUDA, Pablo. Walking around / Walkind
around. Tradução de Paulo Mendes Campos. In: __________. Residência na Terra
II: 1931-1935. Edição bilíngue: Espanhol x Português. Tradução de Paulo
Mendes Campos. Porto Alegre, RS: L&PM, 1980. Em espanhol: p. 113-115; em
português: p. 23-24. (Coleção ‘Poesia de Pablo Neruda’; v. 5)
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