Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 19 de agosto de 2021

Pablo Neruda - Walking Around

Pejado de um estado anímico um tanto pessimista e angustioso, este poema de Neruda avança amparado por um ‘leitmotiv’ bastante adequado às suas desesperanças – “Acontece que me canso de ser homem” –, tanto mais que as coisas, à volta, parecem não fluir conforme o desejado, nesse peregrinar por terras distantes, outras culturas, outros idiomas, outras realidades.

As imagens evocadas por Neruda são quotidianas e urbanas, antirreligiosas até, transidas, em sua artificialidade, por breves incursões osculatórias a um padrão surrealista: sente-se a dor de se estar no mundo; vislumbram-se as relações conflituosas entre o indivíduo e a sociedade; distinguem-se, num fundo austero e implacável, as arestas pungentes legadas por uma consciência política em contínua ebulição.

J.A.R. – H.C.

 

Pablo Neruda

(1904-1973)

 

Walking Around

 

Sucede que me canso de ser hombre.

Sucede que entro en las sastrerías y en los cines

marchito, impenetrable, como un cisne de fieltro

navegando en un agua de origen y ceniza.

 

El olor de las peluquerías me hace llorar a gritos.

Sólo quiero un descanso de piedras o de lana,

sólo quiero no ver establecimientos ni jardines,

ni mercaderfas, ni anteojos, ni ascensores.

 

Sucede que me canso de mis pies y mis uñas

y mi pelo y mi sombra.

Sucede que me canso de ser hombre.

 

Sin embargo seria delicioso

asustar a un notario con un lirio cortado

o dar muerte a una monja con un golpe de oreja.

Seria bello

ir por las calles con un cuchillo verde

y dando gritos hasta morir de frio.    

 

No quiero seguir siendo raiz en las tinieblas,

vacilante, extendido, tiritando de suefio,

hacia abajo, en las tripas mojadas de la tierra,

absorbiendo y pensando, comiendo cada dia.

 

No quiero para mí tantas desgradas.

No quiero continuar de raiz y de tumba,

de subterrâneo solo, de bodega con muertos,

aterido, muriéndome de pena.

 

Por eso el dia lunes arde como el petróleo

cuando me ve llegar con mi cara de cárcel,

y aúlla en su transcurso como una rueda herida,

y da pasos de sangre caliente hacia la noche.

 

Y me empuja a ciertos rincones, a ciertas casas húmedas,

a hospitales donde los huesos salen por la ventana,

a ciertas zapaterías con olor a vinagre,

a calles espantosas como grietas.

 

Hay pájaros de color de azufre y horribles intestinos

colgando de las puertas de las casas que odio,

hay dentaduras olvidadas en una cafetera,

hay espejos

que debieran haber llorado de vergüenza y espanto,

hay paraguas en todas partes, y venenos, y ombligos.

 

Yo paseo con calma, con ojos, con zapatos,

con furia, con olvido,

paso, cruzo oficinas y tiendas de ortopedia,

y patios donde hay ropas colgadas de un alambre:

calzoncillos, toallas y camisas que lloran

lentas lágrimas sucias.

 

Caminhando por Paris

(Olha Darchuk: pintora ucraniana)

 

Walking Around

 

Acontece que me canso de ser homem.

Acontece que entro nas alfaiatarias e nos cinemas

murcho, impenetrável, como um cisne de feltro

navegando numa água de origem e cinza.

 

O cheiro das barbearias me faz chorar aos gritos.

Só quero um descanso de pedras ou de lã,

só quero não ver mais estabelecimentos nem jardins,

nem mercadorias, nem óculos, nem elevadores.

 

Acontece que me canso dos meus pés e das minhas unhas

e do meu cabelo e da minha sombra.

Acontece que me canso de ser homem.

 

No entanto seria delicioso

assustar um notário com um lírio cortado

ou dar a morte a uma freira com um golpe de orelha.

Seria belo

ir pelas ruas com uma faca verde

e dando gritos até morrer de frio.

 

Não quero continuar sendo raiz nas trevas,

vacilante, estendido, tiritando de sono,

para baixo, nas tripas molhadas da terra,

absorvendo e pensando, comendo cada dia.

 

Não quero para mim tantas desgraças.

Não quero continuar de raiz e túmulo,

de subterrâneo solitário, de adega com mortos,

transido, morrendo de pena.

 

Por isso a segunda-feira arde como o petróleo

quando me vê chegar com a minha cara de cárcere,

e uiva no seu transcurso como roda ferida,

e dá passos de sangue quente para a noite.

 

E me empurra para certos recantos, para certas casas úmidas,

para hospitais de onde os ossos saem pela janela,

para certas sapatarias com cheiro de vinagre,

para ruas horríveis como gretas.

 

Há pássaros cor de enxofre e horríveis intestinos

pendurados nas portas das casas que odeio,

há dentaduras esquecidas numa cafeteira,

há espelhos

que deviam ter chorado de vergonha e espanto,

há guarda-chuvas por todas as partes, e venenos e umbigos.

 

Eu passeio com calma, com olhos, com sapatos,

com fúria, com esquecimento,

passo, cruzo escritórios e lojas de ortopedia,

e pátios onde há roupas penduradas dum arame:

cuecas, toalhas e camisas que choram

lentas lágrimas sujas.


Referência:

NERUDA, Pablo. Walking around / Walkind around. Tradução de Paulo Mendes Campos. In: __________. Residência na Terra II: 1931-1935. Edição bilíngue: Espanhol x Português. Tradução de Paulo Mendes Campos. Porto Alegre, RS: L&PM, 1980. Em espanhol: p. 113-115; em português: p. 23-24. (Coleção ‘Poesia de Pablo Neruda’; v. 5)

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