Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 10 de agosto de 2021

Erich M. Remarque - Nada de Novo no Front

Ao dar uma rearrumada no acervo de livros de que disponho em meu apartamento, deparei com um exemplar da obra em referência que já não sei quando e onde o adquiri, muito embora, certamente, há algumas décadas. Li-o em três dias e, julgando oportuno, sublinhei as passagens abaixo transcritas, uma vez que oferecem interessantes pensamentos e ‘insights’ do protagonista-narrador – Paul Bäumer – e de seus companheiros de luta, numa frente alemã em território francês, ao longo da Primeira Guerra Mundial.

“Nada de Novo no Front”, publicado originalmente em 1929, tem em seus capítulos finais – são 10 (dez) ao todo – a parte mais reflexiva da obra, quando Paul, pressentindo a morte próxima, entra num estado de ansiedade profunda em face de haver presenciado, aos poucos, a morte de cada um de seus colegas de companhia, a maior parte dos quais oriunda de uma mesma turma de certa instituição de ensino.

As descrições de cenas de combate são excruciantes, levando a crer que Remarque tenha-as presenciado de perto, pois muitas delas encerram estratégias que os combatentes costumam empregar em conflitos bélicos. No fim, contudo, somente a camaradagem do mesmo destino mortal a todos abraça.

Mesmo os laços íntimos com a família acabam por se romper, nesse jogo ilusório de brutalidade e de hipocrisia, travestido de patriotismo, glória, heroísmo, honra e dever para com a nação, ou que tais. Razão mesmo deve-se conceder a Wilfred Owen (1893-1918), poeta que tendo lutado por sua Inglaterra no mesmo conflito – e nele sucumbido aos 25 (vinte e cinco) anos –, logo vislumbrou as falácias de todos os discursos cívicos e ufanistas, redigindo um poema sobre a “velha mentira”: “Dulce et Decorum Est pro Patria Mori” (“Doce e honroso é morrer por seu país”).

Sem ser um livro que marque o leitor em definitivo sobre o tema dos conflitos bélicos, decerto o deixa mais permeável aos argumentos antiguerra. As pretensas razões para os embates distinguem-se das razões dos que, de fato, destinam-se aos campos de batalha: veja-se abaixo a solução jocosa sugerida pelo soldado Albert Kropp (em azul) – a semelhar-se ao circo dos combates reservados a gladiadores e guerreiros no Coliseu de Roma –, mas que bem se presta a apontar uma lança sobre o peito daquele que, pessoalmente, decide-se a dar início a uma guerra (outra coisa, bem diversa, é defender-se de um ataque armado!) – quando, então, haveria de expor a sua própria cabeça a prêmio, e não a de terceiros.

J.A.R. – H.C.

Eric M. Remarque
(1898-1970) 

Este livro não pretende ser um libelo nem uma confissão, e menos ainda uma aventura, pois a morte não é uma aventura para aqueles que se deram face a face com ela. Apenas procura mostrar o que foi uma geração de homens que, mesmo tendo escapado às granadas, foram destruídos pela guerra. (REMARQUE, 1981, p. 5)

 

Recebemos dez semanas de instrução militar; nesse período sofremos uma transformação mais radical do que em dez anos de escola. Aprendemos que um botão bem polido é mais importante do que quatro livros de Schopenhauer. No princípio, surpreendidos, depois amargurados e, finalmente, indiferentes, reconhecemos que o espírito não era o essencial, mas sim a escova de limpeza; não o pensamento, mas o “sistema”; não a liberdade, mas o exercício. Foi com entusiasmo e boa vontade que nos tornamos soldados; mas fizeram tudo para que perdêssemos a ambos. Depois de três semanas, não era de todo incompreensível que um canteiro, cheio de galões, tivesse mais autoridade sobre nós do que antigamente nossos pais, nossos professores e todos os gênios da cultura, de Platão a Goethe. (REMARQUE, 1981, p. 24)

 

Kropp, ao contrário, é um pensador. No seu entender, uma declaração de guerra deve ser uma espécie de festa do povo, com entradas e músicas, como nas touradas. Depois, os ministros e os generais dos dois países deveriam entrar na arena de calção de banho e, armados de cacetes, investirem uns sobre os outros. O último que ficasse de pé seria o vencedor. Seria mais simples e melhor do que isto aqui, onde quem luta não são os verdadeiros interessados. (REMARQUE, 1981, p. 39)

 

Para mim [Paul Bäumer], a frente é um redemoinho sinistro. Quando se está em águas calmas, ainda longe de seu centro, já se lhe sente a força de aspiração que nos arrasta, lenta e implacavelmente, sem encontrar muita resistência. Mas a terra e o ar fornecem-nos forças defensivas; principalmente a terra. Para nenhum homem a terra é tão importante quanto para um soldado. Quando ele se comprime contra ela demoradamente, com violência, quando nela enterra profundamente o rosto e os membros, na angústia mortal do fogo, ela é seu único amigo, seu irmão, sua mãe. Nela ele abafa o seu pavor e grita no seu silêncio e na sua segurança; ela o acolhe e o libera para mais dez segundos de corrida e de vida, e volta a abrigá-lo: às vezes, para sempre! (REMARQUE, 1981, p. 50)

 

Não somos mais a juventude. Não queremos mais conquistar o mundo. Somos fugitivos. Fugimos de nós mesmos e de nossas vidas. Tínhamos dezoito anos e estávamos começando a amar a vida e o mundo e fomos obrigados a atirar neles e destruí-los. A primeira bomba, a primeira granada, explodiu em nossos corações. Estamos isolados dos que trabalham, da atividade, da ambição, do progresso. Não acreditamos mais nessas coisas; só acreditamos na guerra. (REMARQUE, 1981, p. 76)

 

Estou agitado, mas não é isso que desejo, pois não está certo. Quero sentir novamente aquele deslumbramento calmo, aquela sensação poderosa e inexplicável que me envolvia quando me voltava para os livros. O vento dos desejos que então se desprendia das capas coloridas dos livros deve se apossar de mim novamente, para derreter o pesado bloco morto de chumbo que se encontra em algum lugar dentro de mim, e despertar de novo a impaciência do futuro, a alegria alada do mundo dos pensamentos; deve devolver-me a perdida disposição de minha juventude. Aqui estou, e espero. (REMARQUE, 1981, p. 140-141)

 

– Companheiro, não queria matá-lo. Se saltasse novamente aqui para dentro, não o faria, se você também fosse razoável. Mas, antes, você era apenas um pensamento, uma dessas abstrações que povoam meu cérebro e que exigem uma decisão... Foi essa abstração que apunhalei. Mas agora, pela primeira vez, vejo que é um ser humano como eu. Pensei nas suas granadas, na sua baioneta e no seu fuzil. Agora, vejo sua mulher, seu rosto e o que temos em comum. Perdoe-me, companheiro. Só vemos as coisas tarde demais. Por que não nos repetem sempre que vocês são também uns pobres-diabos como nós, que suas mães se inquietam como as nossas e que temos o mesmo medo da morte e morremos do mesmo modo, sentindo a mesma dor?... (REMARQUE, 1981, p. 179-180)

 

Como é inútil tudo quanto já foi escrito, feito e pensado, quando não se conseguem evitar estas coisas! Devem ser mentiras e insignificâncias, quando a cultura de milhares de anos não conseguiu impedir que se derramassem esses rios de sangue e que existam aos milhares estas prisões, onde se sofrem tantas dores. Só o hospital mostra realmente o que é a guerra. (REMARQUE, 1981, p. 209)

 

Sou jovem, tenho vinte anos, mas da vida conheço apenas o desespero, o medo, a morte e a mais insana superficialidade que se estende sobre um abismo de sofrimento. Vejo como os povos são insuflados uns contra os outros e como se matam em silêncio, ignorantes, tolos, submissos e inocentes. Vejo que os cérebros mais inteligentes do mundo inventam armas e palavras para que tudo isto se faça com mais requintes e maior duração. E, como eu, todos os homens de minha idade, tanto deste quanto do outro lado, no mundo inteiro, veem isto; toda a minha geração sofre comigo. Que fariam nossos pais se um dia nós nos levantássemos e nos apresentássemos a eles, para exigir que nos prestassem contas? Que esperam de nós, se algum dia a guerra terminar? Durante todos esses anos, nossa única preocupação foi matar. Nossa primeira profissão na vida. Nosso conhecimento da vida limita-se à morte. Que se pode fazer, depois disto? Que será de nós? (REMARQUE, 1981, p. 209-210)

Primeira Guerra Mundial: Trincheira Alemã
(Felix Schwormstaedt: ilustrador alemão)


Referência:

REMARQUE, Erich Maria. Nada de novo no front. Tradução de Helen Rumjanek. São Paulo, SP: Abril Cultural, 1981. 232 p. (Série ‘Grandes Sucessos’)

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