A voz poética, sem nunca empregar a palavra “serpente”, descreve neste poema a experiência, a ameaça e o medo de deparar com uma delas: a serpente é o mais distanciado símbolo do ardil e do ludíbrio de que se tem notícia, presente que está na cena em que leva de vencidos os desvelos de Eva – e logo também os de Adão – em relação ao fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal.
Má sorte, enganos, ilusões são efeitos do relacionamento humano, e uma serpente acaba por ser a metáfora preferencial de uma criatura da espécie que se sugere de imediato nas primeiras linhas do poema: não sem motivos, distintamente da cordialidade com que se tratam o falante e os demais animais, o relacionamento com a serpente engendra no primeiro “um aperto na garganta, e nos ossos o grau zero”.
J.A.R. – H.C.
Emily Dickinson
(1830–1886)
A narrow fellow in the grass
A narrow Fellow in the Grass
Occasionally rides –
You may have met him? Did you not
His notice instant is –
The Grass divides as with a Comb,
A spotted Shaft is seen,
And then it closes at your Feet
And opens further on –
He likes a Boggy Acre –
A Floor too cool for Corn –
But when a Boy and Barefoot
I more than once at Noon
Have passed I thought a Whip Lash
Unbraiding in the Sun
When stooping to secure it
It wrinkled And was gone –
Several of Nature’s People
I know, and they know me
I feel for them a transport
Of Cordiality
But never met this Fellow
Attended or alone
Without a tighter Breathing
And Zero at the Bone.
Serpente na grama
(Sharon Supplee: pintora norte-americana)
Um tipo estreito na grama
Um tipo estreito na grama
Desliza ocasionalmente;
Tu certamente o conheces, –
Sempre chega de repente.
Esta coluna manchada
Parte a relva como um pente;
Debaixo dos pés se fecha
Para se abrir mais à frente.
Aprecia um pantanal.
Terra que o milho acha fria;
Quando garoto, e descalço,
Às vezes, ao meio-dia,
Julgava ver um açoite
Que à luz do sol se estendia...
Mas, ao tentar segurá-lo,
Enrolava-se, e sumia.
Quanto ser da natureza
Conheço, que me conhece!
Ao vê-los, cordial transporte
No peito logo me cresce;
Mas, com outros ou sozinho,
Vendo esse tipo, o que espero
É um aperto na garganta,
E nos ossos o grau zero.
Referência:
DICKINSON, Emily. A narrow fellow in
the grass / Um tipo estreito na grama. Tradução de Paulo Vizioli. In: VIZIOLI,
Paulo (Seleção e Tradução). Poetas norte-americanos. Edição comemorativa
do bicentenário da independência dos Estados Unidos da América: 1776-1976.
Antologia bilíngue. São Paulo, SP: Editora Lidador, 1974. Em inglês e em
português: p. 43-44.
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