O poeta tcheco nos detalha certa visão que se orienta aos tempos da origem do mundo – quando Deus (um Deus órfico), com sua lira, fez entrar em vibração tudo quanto criara –, mesmo que, por ora, estejamos a eternidades de todo um processo que nos transformou e transfigurou (e ainda nos transforma e transfigura), pelo sucessivo desenrolar de experiências durante as quais tentamos assimilar o que sejam a dor, o amor e a morte.
Qual o sentido do sofrimento diante de um destino que se nos parece insondável; do verdadeiro amor que – se equiparável às balizas de Paulo, no capítulo XIII de sua primeira epístola aos Coríntios – não condiz com o que dele dizemos saber; da morte, se se trata de um ponto final, de um interregno na mente de Deus ou de uma transição entre planos de existência?! Em “eterno retorno”, voltamos ao “início” dos tempos para que possamos melhor apreender o que significaria o nosso “fim”.
J.A.R. – H.C.
Rainer Maria Rilke
(1875-1926)
Wandelt sich rasch auch die Welt
XIX
Wandelt sich rasch auch die Welt
wie Wolkengestalten,
alies Vollendete fällt
heim zum Uralten.
Über dem Wandel und Gang,
weiter und freier,
währt noch dein Vor-Gesang,
Gott mit der Leier.
Nicht sind die Leiden erkannt,
nicht ist die Liebe gelernt,
und was im Tod uns entfernt,
ist nicht entschleiert.
Einzig das Lied überm Land
heiligt und feiert.
In: “Die Sonette an Orpheus - Erster Teil”
(1923)
O Eterno Retorno
(Samuel Bak: pintor judeu-polonês)
Embora o mundo se transforme com
rapidez
XIX
Embora o mundo se transforme com rapidez,
Como formações de nuvens,
Tudo, que se perfaz, retoma
Aos tempos da origem.
Sobre transformações e passagens,
Mais amplo e mais livre,
Ainda perdura teu prelúdio.
Deus com a lira!
Nem as dores são conhecidas
Nem aprendido o amor,
E o que nos distancia na morte
Não foi desvelado.
Apenas o canto da terra
Salva e festeja.
Em: “Sonetos a Orfeu - Parte I” (1923)
Referência:
RILKE, Rainer Maria. Wandelt sich rasch
auch die welt / Embora o mundo se transforme com rapidez. Tradução de Emmanuel
Carneiro Leão. In: __________. Sonetos a Orfeu / Elegias de Duíno.
Tradução e introdução de Emmanuel Carneiro Leão. Edição bilíngue: Alemão x
Português. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. Em alemão: p. 56; em português:
p. 57.
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