Pasolini nos descreve a vida difícil das pessoas que residem nos arredores de Roma, entre as quais uma menina – Franca – que já é mãe e lhe vem ter ao automóvel: trabalha ela na rua, às proximidades de uma das pontes que guarnecem o Tibre, à espera de clientes ao sol – como o próprio falante, de quem se esperaria que estivesse disposto a oferecer um preço por seu corpo.
Mas não: ao ente lírico, revelou-se um ensejo propício a conhecê-la e ouvir-lhe a história, pelo que dirigiu o veículo até o local onde residia a garota, um sítio desolador habitado por “casais, jovens e pobres”. É quando o poeta se põe a refletir que, para um filho seu vir a experimentar uma vida sem perspectivas, a exemplo daquelas, melhor seria não vir à luz!
J.A.R. – H.C.
Pier Paolo Pasolini
(1922-1975)
A un figlio non nato
In fondo a quel candido ponte nuovo sul Tevere
finito dai catolici per non smentire i fascisti
tra i fregi, i cippi, i falsi frammenti, i finti
ruderi,
un gruppo di donne aspettava i clienti al sole.
Tra queste c’era Franca, una venuta da Viterbo,
bambina, e già madre, che fu la più svelta:
corse allo sportello della mia macchina, gridando,
così sicura che non potei disingannarla:
salì, si accomodò, allegra como un ragazzo,
e mi condusse verso la Cassia: passammo un bivio,
corremmo per una strada abbandonata al sole
tra cantieri di gesso e casupole tripoline
e arrivammo al suo posto: era un praticello
sotto un’altura cosparsa di borraccine e grotte.
Un vecchio cavallo marrone, i fondo, sull’erba
umida,
un’automobile vuota, in mezzo ai cespugli,
e non lontano, qua e là, festosi echi di spari:
tutt’intorno era pieno di coppie, ragazzi e poveri.
In quei giorni la mia vita, il mio lavoro erano
pieni,
nessuno squilibrio, nessuna paura mi minacciava:
ero andato avanti per anni, prima per física
grazia,
Mitezza, salute e entusiasmo che ho avuto nascendo,
poi per una uce di pensiero, benché incerto ancora,
amore, forza e coscienza che ho acquistato vivendo.
Eppure, primo e unico figlio non nato, non ho
dolore
che tu non possa mai esser qui, in questo mondo.
In: “La religione de mio tempo” (1961)
O sonho de Jacó
(Bartolomé Esteban Murillo: pintor espanhol)
A um filho não nascido
No fundo daquela ponte branca e nova sobre o Tibre
terminada por católicos pra não contrariar os
fascistas
entre frisos, coluninhas, falsos fragmentos, falsas
ruínas,
um grupo de mulheres esperava os clientes ao sol.
Entre elas estava Franca, chegada de Viterbo,
uma menina ainda, e já mãe, que foi a mais esperta:
correu à porta de meu carro, aos gritos,
tão segura de si que não pude decepcioná-la;
entrou, se acomodou, alegre feito um moleque,
e me levou à Via Cassia; passamos um cruzamento,
corremos por uma estrada abandonada ao sol
entre minas de gesso e barracos tripolitanos
e chegamos ao local dela; era um campinho
sob uma elevação salpicada de musgos e grutas.
Um velho cavalo marrom, ao fundo, na relva úmida,
um automóvel vazio em meio aos arbustos e
não longe, aqui e ali, alegres ecos de disparos:
tudo ao redor lotado de casais, jovens e pobres.
Naqueles dias minha vida e meu trabalho eram
plenos,
nenhum desequilíbrio, nenhum medo me ameaçava:
tinha seguido em frente por anos, antes por graça
física
– brandura, saúde e entusiasmo que tive de nascença
–,
depois por uma luz de pensamento, embora ainda
incerto
– amor, força e consciência que conquistei vivendo.
No entanto, primeiro e único filho não nascido, não
sinto dor
por você jamais poder estar aqui, neste mundo.
Em: “A religião de meu tempo” (1961)
Referência:
PASOLINI, Pier Paolo. A un figlio non
nato / A um filho não nascido. Tradução de Maurício Santana Dias. In:
__________. Poemas. Tradução e notas de Maurício Santana Dias. Organização
e introdução de Alfonso Berardinelli e Maurício Santana Dias. Posfácio de Maria
Betânia Amoroso. Edição bilíngue. São Paulo, SP: Cosac Naify, 2015. Em
italiano: p. 134; em português: p. 135.
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