Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 20 de agosto de 2021

Francisco Carvalho - Gato

Em duas seções que se alternam de tercetos sem rimas a dísticos rimados, a própria estrutura deste poema já sugere o salto do gato em direção ao rato – ainda preso ao chão naqueles, embora a armar o bote, e em progressão nestes, prontamente insinuado pelo avanço do derradeiro dístico, enquanto lhe são predicados os nobres distintivos e as naturais aptidões.

O que se teria mais a dizer dos bichanos?! E ainda assim eles povoam as mentes de poetas e artistas, tudo porque detêm algum tipo de comportamento que os humanos, quem sabe, desejariam um dia desenvolver. Ou não: há quem os deteste exatamente por sua natureza individualista, esfíngica, imprevisível, algo traiçoeira. Há razões para todas as preferências!

J.A.R. – H.C.

 

Francisco Carvalho

(1927-2013)

 

Gato

 

I

 

As retinas do gato

dardejam no escuro

da pele do rato

 

arauto das noites

o gato passeia

no dorso do muro

 

tenso como um arco

o gato desenha

os moldes do salto

 

crivado de fúrias

salto que o liga

à ponte do olfato.

 

II

 

Onde se esconde

este sósia de conde?

 

Por onde passeia

o dorso que se alteia?

 

Seu dorso de vaga

que se acende e se apaga?

 

Quantas rotinas

têm as suas retinas?

 

Quantos sóis de cobalto

nas arcadas do salto?

 

Quando o seu faro pulsa

sente o odor da Ursa?

 

Ou apenas preserva

seu contorno na treva?

 

O gato não esconde

o seu fulgor de conde.

 

Gatinho com um novelo de lã

(Henriette Ronner: artista holandesa-belga)


Referência:

CARVALHO, Francisco. Gato. In: __________. Raízes da voz: poesia. Fortaleza, CE: UFC & Casa de José de Alencar, 1996. p. 118-119. (Coleção ‘Alagadiço Novo’)

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