Em duas seções que se alternam de tercetos sem rimas a dísticos rimados, a própria estrutura deste poema já sugere o salto do gato em direção ao rato – ainda preso ao chão naqueles, embora a armar o bote, e em progressão nestes, prontamente insinuado pelo avanço do derradeiro dístico, enquanto lhe são predicados os nobres distintivos e as naturais aptidões.
O que se teria mais a dizer dos bichanos?! E ainda assim eles povoam as mentes de poetas e artistas, tudo porque detêm algum tipo de comportamento que os humanos, quem sabe, desejariam um dia desenvolver. Ou não: há quem os deteste exatamente por sua natureza individualista, esfíngica, imprevisível, algo traiçoeira. Há razões para todas as preferências!
J.A.R. – H.C.
Francisco Carvalho
(1927-2013)
Gato
I
As retinas do gato
dardejam no escuro
da pele do rato
arauto das noites
o gato passeia
no dorso do muro
tenso como um arco
o gato desenha
os moldes do salto
crivado de fúrias
salto que o liga
à ponte do olfato.
II
Onde se esconde
este sósia de conde?
Por onde passeia
o dorso que se alteia?
Seu dorso de vaga
que se acende e se apaga?
Quantas rotinas
têm as suas retinas?
Quantos sóis de cobalto
nas arcadas do salto?
Quando o seu faro pulsa
sente o odor da Ursa?
Ou apenas preserva
seu contorno na treva?
O gato não esconde
o seu fulgor de conde.
Gatinho com um novelo de lã
(Henriette Ronner: artista holandesa-belga)
Referência:
CARVALHO, Francisco. Gato. In:
__________. Raízes da voz: poesia. Fortaleza, CE: UFC & Casa de José
de Alencar, 1996. p. 118-119. (Coleção ‘Alagadiço Novo’)
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