Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 2 de agosto de 2021

Thomas Merton - A Abadia Trapista: Matinas

Um primeiro esclarecimento: por “matinas” tenham-se os cânticos que, na liturgia católica, correspondem à primeira parte do ofício do dia, geralmente entoados entre a meia noite e o nascer do sol. Dito isto, compreende-se o que seja este poema de Merton: uma espécie de salmo matinal, vocacionado a fazer arder a luz da fé do nomeado monge trapista e a de seus companheiros eremitas.

O poema, a par do sentido unívoco das linhas que dizem respeito às alusões aos fatos da vida de Cristo, recorre a metáforas para trazer ao leitor o sentido de um devotamento, de um zelo para não se incorrer nas comezinhas perfídias fomentadas pelo mundo à volta, possibilitando, assim, que não se fraqueje na confiança assente na fé albergada.

J.A.R. – H.C.

 

Thomas Merton

(1915-1968)

 

The Trappist Abbey: Matins

Our Lady of Gethsemani, Kentucky

 

When the full fields begin to smell of sunrise

And the valleys sing in their sleep,

The pilgrim moon pours over the solemn darkness

Her waterfalls of silence,

And then departs, up the long avenue of trees.

 

The stars hide, in the glade, their light, like tears,

And tremble where some train runs, lost,

Baying in eastward mysteries of distance.

Where fire flares, somewhere, over a sink of cities.

 

Now kindle in the windows of this ladyhouse, my soul,

Your childish, clear awakeness:

Burn in the country night

Your wise and sleepless lamp.

For, from the frowning tower, the windy belfry,

Sudden the bells come, bridegrooms,

And fill the echoing dark with love and fear.

 

Wake in the windows of Gethsemani, my soul, my sister,

For the past years, with smokey torches, come,

Bringing betrayal from the burning world

And bloodying the glade with pitch flame.

 

Wake in the cloisters of the lonely night, my soul, my sister,

Where the apostles gather, who were, one time, scattered,

And mourn God’s blood in the place of His betrayal,

And weep with Peter at the triple cock-crow.

 

(1944)

 

Monges trapistas dando

as boas-vindas a um estranho

(Jules-Joseph Dauban: pintor francês)

 

A Abadia Trapista: Matinas

Nossa Senhora de Gethsemani, Kentucky

 

Quando os campos repletos começam a odorar ao nascer do sol

E os vales silvam em sua quietude,

A lua peregrina verte sobre a solene escuridão

Suas cataratas de silêncio,

E depois parte, subindo pela longa avenida das árvores.

 

As estrelas ocultam, na clareira, a sua luz, como lágrimas,

E estremecem onde corre algum trem, perdido,

A uivar nos mistérios da distância até o leste,

Onde o fogo arde, nalgum lugar, sobre uma pilha de cidades.

 

Agora faz luzir nas janelas desta abadia, minha alma,

O teu despertar infantil e claro:

Acende na noite do campo

O teu sábio e desvelado lume.

Pois, desde a torre austera – o campanário açoitado pelo vento –,

Vêm de repente os sinos, os noivos,

E enchem a ressonante escuridão com amor e preito.

 

Desperta nas janelas de Gethsemani, minha alma, minha irmã,

Como nos últimos anos, com tochas fumegantes, vem,

Trazendo a traição do mundo em chamas,

A ensanguentar a clareira com os fogachos de pez.

 

Desperta nos claustros da noite solitária, minha alma, minha irmã,

Onde se reúnem os apóstolos, que uma vez foram dispersados,

E pranteiam o sangue de Deus no lugar de Sua traição,

E choram com Pedro diante do triplo cantar do galo.

 

(1944)


Referência:

MERTON, Thomas. The trappist abbey: matins. In: RODMAN, Selden (Ed.). An new anthology of modern poetry. New York, NY: Random House Inc., 1946. p. 420-421. (“The Modern Library”)

Nenhum comentário:

Postar um comentário