Um primeiro esclarecimento: por “matinas” tenham-se os cânticos que, na liturgia católica, correspondem à primeira parte do ofício do dia, geralmente entoados entre a meia noite e o nascer do sol. Dito isto, compreende-se o que seja este poema de Merton: uma espécie de salmo matinal, vocacionado a fazer arder a luz da fé do nomeado monge trapista e a de seus companheiros eremitas.
O poema, a par do sentido unívoco das linhas que dizem respeito às alusões aos fatos da vida de Cristo, recorre a metáforas para trazer ao leitor o sentido de um devotamento, de um zelo para não se incorrer nas comezinhas perfídias fomentadas pelo mundo à volta, possibilitando, assim, que não se fraqueje na confiança assente na fé albergada.
J.A.R. – H.C.
Thomas Merton
(1915-1968)
The Trappist Abbey: Matins
Our Lady of Gethsemani, Kentucky
When the full fields begin to smell of sunrise
And the valleys sing in their sleep,
The pilgrim moon pours over the solemn darkness
Her waterfalls of silence,
And then departs, up the long avenue of trees.
The stars hide, in the glade, their light, like
tears,
And tremble where some train runs, lost,
Baying in eastward mysteries of distance.
Where fire flares, somewhere, over a sink of
cities.
Now kindle in the windows of this ladyhouse, my
soul,
Your childish, clear awakeness:
Burn in the country night
Your wise and sleepless lamp.
For, from the frowning tower, the windy belfry,
Sudden the bells come, bridegrooms,
And fill the echoing dark with love and fear.
Wake in the windows of Gethsemani, my soul, my
sister,
For the past years, with smokey torches, come,
Bringing betrayal from the burning world
And bloodying the glade with pitch flame.
Wake in the cloisters of the lonely night, my soul,
my sister,
Where the apostles gather, who were, one time,
scattered,
And mourn God’s blood in the place of His betrayal,
And weep with Peter at the triple cock-crow.
(1944)
Monges trapistas dando
as boas-vindas a um estranho
(Jules-Joseph Dauban: pintor francês)
A Abadia Trapista: Matinas
Nossa Senhora de Gethsemani, Kentucky
Quando os campos repletos
começam a odorar ao nascer do sol
E os vales silvam em
sua quietude,
A lua peregrina verte
sobre a solene escuridão
Suas cataratas de
silêncio,
E depois parte,
subindo pela longa avenida das árvores.
As estrelas ocultam,
na clareira, a sua luz, como lágrimas,
E estremecem onde corre
algum trem, perdido,
A uivar nos mistérios
da distância até o leste,
Onde o fogo arde, nalgum
lugar, sobre uma pilha de cidades.
Agora faz luzir nas
janelas desta abadia, minha alma,
O teu despertar infantil
e claro:
Acende na noite do
campo
O teu sábio e desvelado
lume.
Pois, desde a torre
austera – o campanário açoitado pelo vento –,
Vêm de repente os
sinos, os noivos,
E enchem a ressonante
escuridão com amor e preito.
Desperta nas janelas
de Gethsemani, minha alma, minha irmã,
Como nos últimos
anos, com tochas fumegantes, vem,
Trazendo a traição do
mundo em chamas,
A ensanguentar a
clareira com os fogachos de pez.
Desperta nos
claustros da noite solitária, minha alma, minha irmã,
Onde se reúnem os apóstolos,
que uma vez foram dispersados,
E pranteiam o sangue
de Deus no lugar de Sua traição,
E choram com Pedro
diante do triplo cantar do galo.
(1944)
Referência:
MERTON, Thomas. The trappist abbey:
matins. In: RODMAN, Selden (Ed.). An new anthology of modern poetry. New
York, NY: Random House Inc., 1946. p. 420-421. (“The Modern Library”)
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