Não saberia dizer se logrei capturar todos os matizes da ironia levada a efeito por Patchen neste poema dedicado a predicar a corte do rei francês Louis XIV (1638-1715): os versos mais parecem descrever uma hipotética obra de arte pictórica, talvez saída dos pincéis de algum(ns) artista(s) tão trocista(s) quanto o próprio poeta norte-americano – a exemplo dos mestres surrealistas (vide nota nº 5, mais abaixo).
Consigne-se que o poema retrata uma cena que se passa através ou em frente a um espelho, e o que dele pude capturar, no momento em que o verti ao português – tanto do original em inglês, quanto das expressões empregadas em francês –, encontra-se resenhado no rol numerado de comentos constantes no campo “Notas” desta postagem. Se houve omissões, requeiro minhas escusas ao leitor, sabendo que não terão sido propositais.
J.A.R. – H.C.
Kenneth Patchen
(1911-1972)
The Grand Palace of Versailles
An elephant made of cotton...
Towers of lace under which satin-heeled
Gentlemen sit, playing with the bustles
Of slightly desiccated Grandes Damns.
Good morning, Louis; it’s a fine day
In the mirror.
A chaise longue carved
Out of the living body of a white leopard...
Spools of silk placed in buckets
Of gilt milk... A three-headed dancer
Prancing to the music of a little bell
Languidly swung by a Negro with a hairlip.
Two visiting kings having their canes reheaded,
While a painter to the court tints their eyebrows
With the juice of mildly sickening berries.
What does Salvador Ernst Matta, Louis?
It’s a fine day in the mirror.
It must be amusing to be poor, n’est-ce pas?
Palácio de Versalhes:
A entrada em 1668 durante a primeira reconstrução
(Pierre Patel: pintor francês)
O Grande Palácio de Versalhes
Um elefante feito de algodão...
Torres de renda sob as quais sentam-se
cavalheiros
De salto acetinado, a brincar com as
anquinhas (1)
de Grandes Damas (2) ligeiramente
desidratadas.
Bom dia, Louis; faz um belo dia
Através do espelho.
Uma poltrona (3) talhada
No corpo vivo de um leopardo branco...
Carretéis de seda colocados em baldes
Dourados para leite... Uma dançarina de três
cabeças
A cabriolar com a música de um pequeno sino
Languidamente agitado por um Negro com uma
fissura labial. (4)
Dois reis visitantes têm reempunhados os seus bastões,
Enquanto um pintor da corte pinta suas sobrancelhas
Com o sumo de bagas um tanto nauseante.
De que se ocupa Salvador Ernst Matta (5), Louis?
Faz um belo dia através do espelho.
Deve ser divertido ser pobre, não é mesmo? (6)
Notas:
(1) Anquinhas: peças de roupa íntima acolchoada, usada na parte de trás dos vestidos femininos, com o objetivo de levantá-los, dar-lhes plenitude ou apoiar-lhes as saias;
(2) Grandes Damas (no original, “Grandes Damns”): a tradução ao português verte a expressão pelo aventado sentido primeiro tencionado pelo poeta; contudo, emprega ele a palavra inglesa “Damns” (em vez da francesa “Dames”), a denotar certo sarcasmo, uma vez que ela significa “maldição”, “praga”, “desgraça”, adjetivos que, como se observa, se associariam às senhoras francesas;
(3) Poltrona (em francês “chaise longue”): cadeira ou assento em que se pode reclinar o corpo e estender as pernas;
(4) Fissura labial (em inglês “hairlip”): como esclarece o Guide to Contemporary Usage and Style (Boston/MA, Houghton Mifflin, 2005., p. 215): “O termo ‘lábio leporino’ (‘harelip’) refere-se à condição congênita de ter um lábio superior fendido; essa palavra já não tem uso médico e, amiúde, se considera ofensiva; a palavra deriva da semelhança entre a forma de tal lábio e o lábio superior de uma lebre; a ortografia (‘hairlip’) é incorreta”. A se julgar pela aglutinação empregada por Patchen – “hairlip” –, quase se poderia supor de que se trataria de um negro com fartos bigodes – o que não resulta refutável de modo absolutamente peremptório;
(5) Salvador Ernst Matta: não se encontram quaisquer referências biográficas a uma pessoa, possivelmente um artista, que, na História, assim se nomeie; talvez a combinação seja um aglutinado de três dos mais importantes artistas do século XX, quais sejam, o espanhol Salvador Dalí (1904-1989), o alemão Max Ernst (1891-1976) e o chileno Roberto Matta (1911-2002), todos eles vinculados, em maior ou menor medida, ao movimento surrealista;
(6) Não é mesmo? (em francês “n’est-ce pas”).
Referência:
PATCHEN, Kenneth. The grand palace of
Versailles. In: RODMAN, Selden (Ed.). An new anthology of modern poetry.
New York, NY: Random House Inc., 1946. p. 348. (“The Modern Library”)
E com alegria que registro a visita de hoje 05/08/2021. Estou sempre aprendendo com o mestre J. A. Rodrigues, seu blog genial e seus "achados". Seu BLOG DO CASTORP, ouso dizer, é tão necessário quanto imprescindível. (Geraldo Reis: O Ser Sensível)
ResponderExcluirPrezado Geraldo,
ExcluirMuita gentileza de sua parte! De fato, agradeço-lhe por navegar pelas páginas do blog, esperando poder estar sempre à altura de sua presença e a dos internautas que por elas mareiam no dia a dia.
Um abraço,
João A. Rodrigues