Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 24 de agosto de 2021

Múcio Teixeira - Vibrações do Cérebro

Tendo sido um Grão-Mestre da Fraternidade Rosa Cruz, notam-se na poesia de Múcio Teixeira, como já aqui o dissemos, exemplos inúmeros de versos permeados pelas doutrinas do esoterismo, do espiritismo, do ocultismo e da mediunidade – tal como se pode ratificar, por igual, mediante este poema, em cujas linhas o diplomata e poeta gaúcho especula sobre o primado da alma sobre todas as nossas outras realidades.

 

Veja-se que, não sem motivo, a epígrafe aposta ao poema foi transcrita a uma obra ocultista do engenheiro belga Albert van der Naillen (1830-1929), a narrar o que se passou com um ex-capitão e príncipe, a quem uma renúncia amorosa levou-o a tornar-se um frade trapista e, logo após, o nomeado bispo Ângelo – a que faz menção o poeta, logo na primeira estrofe.

 

J.A.R. – H.C.

 

Múcio Teixeira

(1857-1926)

 

Vibrações do Cérebro

 

No vasto laboratório de Deus, o cérebro do homem é o primeiro aparelho que pode converter a matéria em força, em pensamento-força; e esse poder, eterno em seus efeitos, é um fator poderoso na evolução de todas as coisas.

(A. van der Naillen – “Nos Templos do Himalaia”)

 

Ângelo, o Bispo do Catolicismo,

A cismar nos mistérios em que cismo,

Não viu mais do que vi;

Dos atrativos sensuais libertos,

Prosseguimos os dois, de olhos abertos,

Sondando tudo aqui.

 

Ensinam as Sagradas Escrituras

As Sete divisões das criaturas,

Reduzidas a Três:

Corpo, Espírito e Alma, – o transitório;

Que não passa de um simples envoltório,

E a dupla lucidez.

 

O corpo não é mais que o leve manto

Que arrastamos, do berço ao campo-santo,

No lodo das paixões;

Só a Alma é real, pura e sensível:

Só ela vê, nas trevas, o invisível,

Vencendo as amplidões.

 

E a Morte... que é a Morte? – A Liberdade,

O extermínio da Dor; ver a Vontade

Transformada em Poder;

O domínio do Tempo e da Distância;

E Além, da Luz na perenal estância,

Sempre permanecer.

 

Mas não nos será dado, antes da morte,

Desprender a noss’alma num transporte,

Correr no fluido astral?

Na aeronave dos Sonhos viajamos,

E a qualquer hora, em pensamento, vamos

Tanto ao Bem como ao Mal.

 

Conhecendo o poder das leis supremas,

Da matéria quebramos as algemas

Que nos prendem o pé;

Coisas fenomenais, maravilhosas,

Mostraremos às vistas curiosas

Da multidão sem fé.

 

Nasce a Dor dos Desejos não saciados,

Com todo o seu cortejo de cuidados

E de ambições sem fim;

São os nossos maiores inimigos

Nossos próprios deleites, que aos perigos

Nos arrastam assim...

 

Pitágoras não mente: a teoria

Das reencarnações mais irradia

Ao brilho da Razão;

Ela não fere a religião do Cristo;

Até Junqueira Freire encontrou nisto

Sagrada inspiração.

 

O hindu, nela firmado, crê e espera;

Enquanto a alma não se retempera,

Tem de sofrer aqui...

Toda a matéria cósmica obedece

Às mesmas leis: enrosca-se num S

E estende-se num I.

 

Repetem-se na terra os nascimentos

Como se reproduzem pensamentos

Na massa cerebral;

Até que possa a Alma, emancipada,

Entrar enfim na phaira (1) ilimitada

Da zona espiritual.

 

Quem penetrou mais fundo neste abismo,

Cismando nos mistérios em que cismo,

Não foi além de mim...

Nem os loucos, que são os mais libertos,

Em voz alta a pensar, de olhos abertos,

Andaram tanto assim.

 

Quanto maior a nossa inteligência,

Tanto menor será, nesta existência,

O amádigo (*) a transpor;

Na absorção final do eu no todo,

Temos asas: – voemos deste lodo

Para os mundos do Amor!

 

Rio de Janeiro, 1901.

 

Albert van der Naillen

(1830-1929)

 

Elucidário:

 

(1) Phaira – Palavra de origem grega que significa “esfera” – o que faz todo o sentido no contexto do verso em que inclusa.

 

(2) Amádigo – Conjunto de privilégios que se concediam às amas que criavam os filhos legítimos dos reis e dos fidalgos ou aos lugares onde eles eram criados.

 

Referência:

 

TEIXEIRA, Múcio. Vibrações do cérebro. In: __________. Campo-santo: últimas poesias. Edição de luxo, ilustrada. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1902. p. 331-335.

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