Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 12 de agosto de 2021

Fernando Jorge Uchôa - Áreas do Poema

O vate carioca (1921-2011) elabora aqui o seu discurso metapoético, algo construtivista, já que vislumbra a estrutura do poema como uma “casa de cômodos” a abrigar a esperança onde quer que se esteja – quer no motel quer no sindicato, seja na igreja seja em praça pública: de suas digressões, conclui que o poema é “arte e ação”, uma “rixa cara a cara em hora de decisão”.

A vida, para Uchôa, seria uma longa fila para se expressar o “ser em muitos atos”, e o poema aquilo que de mais essencial se decantou no espírito, a partir do que se passou na carne. Os poemas, enfim seriam extensos continentes de palavras “produtivas” – diga-se melhor, “não latifundiárias” – onde inventos são lavrados e adubados sem trégua.

J.A.R. – H.C.

 

Harmonia

(Remedios Varo: pintora espanhola)

 

Áreas do Poema

 

Neste momento o poema

é uma casa de cômodos,

um jeito de construir

a esperança no motel,

no sindicato, na igreja,

no rumor da praça pública.

 

Os que repensam o mundo em uma fila

sabem o que se exaure e cresce

dentro de cada cidadão anônimo

colhendo e repartindo com os minutos

sua oportunidade de viver.

 

Os movimentos de uma fila ensinam o homem

a reter e a deixar do seu diário

o que venta e o que passa em acontecimentos.

 

Viver é ser em muitos atos,

e a vida uma longa fila

que ensina constrangimentos

e o passo antes de andar.

 

Poema é um espaço que aprende

o que rola na carne e vira essência.

 

Árduo é secar o que no tanque a água insiste

em redimir: o que se lava e torce

nas roupas e linguagens e expressões

vertendo e trabalhando novas descobertas.

 

Poemas são continentes

sem latifúndios

nos extensos das palavras.

Em seus lotes verbais,

quadras e marcos impõem

a decisão de não ceder distâncias

onde se lavra e aduba inventos.

 

Música escoando

pelos degraus da palavra,

imagens que se independem,

verbo e auroras de invenção.

 

Tempo e universo

nos objetos diversos

de realidade constante.

 

Poema é arte e ação

uma rixa, uma cara a cara

em hora de decisão.

 

As Quatro Estações

(Jacek Yerka: pintor polonês)


Referência:

UCHÔA, Fernando Jorge. Áreas do poema. n: __________. Flauta estridente e alvorada inquieta. São Paulo, SP: Editora do Escritor, 1986. p. 37-38. (‘Coleção do Poeta’; vol. nº 67)

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