Com um olhar percuciente, devotado aos detalhes, Bishop capta maravilhosamente bem o comportamento e o espírito dessa ave migratória, sem descuidar do que à sua volta se desenrola, vale dizer, o imenso mar, suas marés e rugidos – um ingente Atlântico a seus pés – e essa imensa “bruma” que é o mundo a nos cingir em seus desígnios.
Uma vez que Bishop faz menção a Blake, decerto que se reporta ao conselho do poeta inglês para que vejamos “o mundo num grão de areia”, aliás, como a própria poetisa – e os poetas, em geral – tencionam levar a efeito com o seu mister: na “síntese” do poema, conglomerar o particular, de um fato ou lugar, ao universal, subsumível à condição humana.
J.A.R. – H.C.
Elizabeth Bishop
(1911-1979)
Sandpiper
The roaring alongside he takes for granted,
and that every so often the world is bound to
shake.
He runs, he runs to the south, finical, awkward,
in a state of controlled panic, a student of Blake.
The beach hisses like fat, On his left, a sheet
of interrupting water comes and goes
and glazes over his dark and brittle feet.
He runs, he runs straight through it, watching his
toes.
– Watching, rather, the spaces of sand between
them,
where (no detail too small) the Atlantic drains
rapidly backwards and downwards. As he runs,
he stares at the dragging grains.
The world is a mist. And then the world is
minute and vast and clear. The tide
is higher or lower. He couldn't tell you which.
His beak is focussed; he is preoccupied,
looking for something, something, something.
Poor bird, he is obsessed!
The millions of grains are black, white, tan, and
gray,
mixed with quartz grains, rose and amethyst.
In: “Questions of Travel” (1965)
Maçarico I
(Diane Hutchinson: pintora norte-americana)
Maçarico
Já nem percebe o rugido constante a seu lado,
nem se espanta que de vez em quando o mundo estremeça.
Ele corre, corre para o sul, luxento, desajeitado,
sempre num pânico controlado, um discípulo de
Blake.
A praia chia como se fosse gordura.
Um lençol d'água vem e vai, e nesse espaço
interrompido passam seus pés frágeis e escuros.
Ele corre, atravessando tudo, corre olhando para
baixo.
– Mais exatamente, para os espaços de areia entre
os pés,
onde (todo detalhe é importante) o Atlântico
escorre
para trás e para baixo, rápido, vez após vez.
Ele observa os grãos arrastados enquanto corre.
O mundo é bruma. E logo o mundo vira
um panorama imenso e detalhado.
Maré alta ou baixa – ele nem desconfia.
Seu bico fica imóvel; está concentrado,
procurando alguma coisa, alguma coisa.
Pobre ave, com sua ideia fixa!
Os grãos de areia são milhões, pretos, brancos,
âmbar, cobre,
junto com grãos de quartzo, rosa e ametista.
Em: “Questões de Viagem” (1965)
Referência:
BISHOP, Elizabeth. Sandpiper /
Maçarico. Tradução de Paulo Henriques Britto. In: __________. Poemas
escolhidos de Elizabeth Bishop. Seleção, tradução e textos introdutórios de
Paulo Henriques Britto. Edição bilíngue. 1. ed. São Paulo, SP: Companhia das
Letras, 2012. Em inglês: p. 292; em português: p. 293.
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