Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 4 de agosto de 2021

Elizabeth Bishop - Maçarico

Com um olhar percuciente, devotado aos detalhes, Bishop capta maravilhosamente bem o comportamento e o espírito dessa ave migratória, sem descuidar do que à sua volta se desenrola, vale dizer, o imenso mar, suas marés e rugidos – um ingente Atlântico a seus pés – e essa imensa “bruma” que é o mundo a nos cingir em seus desígnios.

Uma vez que Bishop faz menção a Blake, decerto que se reporta ao conselho do poeta inglês para que vejamos “o mundo num grão de areia”, aliás, como a própria poetisa – e os poetas, em geral – tencionam levar a efeito com o seu mister: na “síntese” do poema, conglomerar o particular, de um fato ou lugar, ao universal, subsumível à condição humana.

J.A.R. – H.C.

 

Elizabeth Bishop

(1911-1979)

 

Sandpiper

 

The roaring alongside he takes for granted,

and that every so often the world is bound to shake.

He runs, he runs to the south, finical, awkward,

in a state of controlled panic, a student of Blake.

 

The beach hisses like fat, On his left, a sheet

of interrupting water comes and goes

and glazes over his dark and brittle feet.

He runs, he runs straight through it, watching his toes.

 

– Watching, rather, the spaces of sand between them,

where (no detail too small) the Atlantic drains

rapidly backwards and downwards. As he runs,

he stares at the dragging grains.

 

The world is a mist. And then the world is

minute and vast and clear. The tide

is higher or lower. He couldn't tell you which.

His beak is focussed; he is preoccupied,

 

looking for something, something, something.

Poor bird, he is obsessed!

The millions of grains are black, white, tan, and gray,

mixed with quartz grains, rose and amethyst.

 

In: “Questions of Travel” (1965)

 

Maçarico I

(Diane Hutchinson: pintora norte-americana)

 

Maçarico

 

Já nem percebe o rugido constante a seu lado,

nem se espanta que de vez em quando o mundo estremeça.

Ele corre, corre para o sul, luxento, desajeitado,

sempre num pânico controlado, um discípulo de Blake.

 

A praia chia como se fosse gordura.

Um lençol d'água vem e vai, e nesse espaço

interrompido passam seus pés frágeis e escuros.

Ele corre, atravessando tudo, corre olhando para baixo.

 

– Mais exatamente, para os espaços de areia entre os pés,

onde (todo detalhe é importante) o Atlântico escorre

para trás e para baixo, rápido, vez após vez.

Ele observa os grãos arrastados enquanto corre.

 

O mundo é bruma. E logo o mundo vira

um panorama imenso e detalhado.

Maré alta ou baixa – ele nem desconfia.

Seu bico fica imóvel; está concentrado,

 

procurando alguma coisa, alguma coisa.

Pobre ave, com sua ideia fixa!

Os grãos de areia são milhões, pretos, brancos, âmbar, cobre,

junto com grãos de quartzo, rosa e ametista.

 

Em: “Questões de Viagem” (1965)


Referência:

BISHOP, Elizabeth. Sandpiper / Maçarico. Tradução de Paulo Henriques Britto. In: __________. Poemas escolhidos de Elizabeth Bishop. Seleção, tradução e textos introdutórios de Paulo Henriques Britto. Edição bilíngue. 1. ed. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2012. Em inglês: p. 292; em português: p. 293.

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