O poeta paraense dedica este poema a Carlos Drummond de Andrade, o vate itabirano que, tal como a sua cidade natal, deparou com uma lavra preciosa, mas não uma lavra de ferro – como a do agora pulverizado Pico do Cauê –, senão com a lavra da poesia – e é a esta que Tocantins oferece as suas próprias translações metafóricas, suas imagéticas alegorias.
A poesia seria como o grito cortante do galo a romper a madrugada, notificando-nos de que a sua seta sempre perpassa um mundo novidadeiro, de epifanias e de enleios extáticos, ou mesmo de paisagens doridas: forma, som e cor são excisados de sua mina para compor um texto com potencial para nos fazer migrar ao domínio “telepático” dos sentidos.
J.A.R. – H.C.
Leandro Tocantins
(1919-2004)
O Alfange do Galo
A Carlos Drummond de Andrade
A poesia não cansa
não há suor em seu pouso rotativo
nem lavras exauridas na mina
do sonho enquanto vibre a forma
o som percute, a cor reflita
no telepático dos sentidos.
A poesia confisca espaço
pulverizado de estreias
é ser, é participar
na móbil e essencial passagem.
A poesia, latente no abstrato
desperta sempre com o alfange do galo
fino desenho de seta
no rosto da núbia madrugada.
A poesia recorre ao motivo da rosa
róseoencanto de todos os caminhos
húmus abolido do espinho
sonatina em pastoreio
improviso de vento.
No suco humano poderoso gesto
instantâneo e sem fadiga.
Lisboa, 30-7-1971
Cantando ao Amanhecer
(Joan Mace: pintora norte-americana)
Referência:
TOCANTINS, Leandro. O alfange do galo.
In: __________. A memória de viver. Lisboa, PT: Centro do Livro
Brasileiro; Rio de Janeiro, GB: Artenova, jan. 1972. p. 48.
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