Merton verte em poema
uma anedota que, provavelmente, terá lido em alguma obra ascética, sobre o pai
do deserto egípcio da igreja primitiva, São Macário (200 d.C – 391 d.C):
adultos avançam em suas experiências espirituais, passando de feitiços
estribados nas quimeras de alguém que pretensamente os teria presenciado a uma
inequívoca unção pelo amor divino.
De repente, os pais
da menina tornam-se como que iluminados ao perceberem a realidade tal como ela
é, não como imaginavam que fosse. E o que provoca tal iluminação, mais que uma
súplica hierática, é um simples gesto afetuoso de Macário para com a jovem,
apondo-lhe a mão sobre a cabeça, abençoando-a, restaurando, assim, a sua
dignidade como pessoa humana.
O encanto sofrido
pela jovem – imaginariamente convertida em pônei – já não se caracteriza como
uma transformação da própria jovem, mas uma ilusão, uma fantasia retida pelos
olhos de quem a vê. Desse modo, o problema desloca-se do âmbito da magia para o
domínio espiritual da luta contra os demônios e o poder da oração contra seus
feitiços malignos.
J.A.R. – H.C.
Thomas Merton
(1915-1968)
Macarius and the Pony
People in a village
At the desert’s edge
Had a daughter
Who was changed (they
thought)
By magic arts
Into a pony.
At first they berated
her
“Why do you have to
be a horse?”
She could think of no
reply.
So they led her out
with a halter
Into the hot waste
land
Where there was a
saint
Called Macarius
Living in a cell.
“Father” they said
“This young mare here
Is, or was, our
daughter.
Enemies, wicked men,
Magicians, have made
her
The animal you see.
Now by your prayers
to God
Change her back
Into the girl she
used to be.”
“My prayers” said
Macarius,
“Will change nothing,
For I see no mare.
Why do you call this
good child
An animal?”
But he led her into
his cell
With her parents:
There he spoke to God
Anointing the girl
with oil;
And when they saw
with what love
He placed his hand
upon her head
They realized, at
once.
She was no animal.
She had never
changed.
She had been a girl
from the beginning.
“Your own eyes
(said Macarius)
Are your enemies.
Your own crooked
thoughts
(said the anchorite)
Change people around
you
Into birds and
animals.
Your own ill-will
(said the clear-eyed
one)
Peoples the world
with specters.”
In: “Emblems of a
Season of Fury” (1963)
O velho e o onagro
(Parid Dule: pintor
albanês)
Macário e a Pônei
Os habitantes de um
povoado
À beira do deserto
Tinham uma filha
Que foi transformada,
deduziram eles,
Por artes mágicas
Numa pônei.
No início,
repreenderam-na:
“Por que tens de ser
um corcela?”
Ela não conseguia
pensar em resposta alguma.
Então conduziram-na
com um cabresto
Até o mais tórrido
deserto
Onde havia um santo
Chamado Macário
Vivendo numa cela.
“Pai”, disseram-lhe,
“Esta jovem potra
aqui
É, ou era, nossa
filha.
Inimigos, homens
malévolos,
Mandingueiros,
transformaram-na
Neste animal que vês.
Agora, mediante as
orações que diriges a Deus,
Vê se logras reconvertê-la
Na menina que
costumava ser.
“Minhas orações”,
disse Macário,
“Nada vão mudar,
Pois não vejo potra
alguma.
Por que tratais esta
boa mocinha
Como se animal fosse?”
Mas ele a conduziu
para sua cela
Acompanhada dos pais:
Ali falou a Deus,
Ungindo a menina com
óleo.
E quando viram com
que amor
Pôs a mão sobre a sua
cabeça,
Logo se deram conta.
Ela não era um
animal,
Nunca havia se
transformado.
Sempre fora uma
mocinha.
“Vossos próprios
olhos”,
(disse-lhes Macário)
São vossos inimigos.
Vossos próprios
pensamentos distorcidos
(disse-lhes o
anacoreta)
Transformam as
pessoas que vos rodeiam
Em pássaros e
animais.
É a vossa própria
malevolência
(disse-lhes o clarividente)
Que povoa o mundo com
espectros.”
Em: “Emblemas de uma
Estação de Fúria” (1963)
Referência:
MERTON, Thomas.
Macarius and the pony. In: __________. The collected poems of Thomas Merton.
New York, NY: New Directions, 1977. p. 317-318.
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