Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 11 de agosto de 2021

Thomas Merton - Macário e a Pônei

Merton verte em poema uma anedota que, provavelmente, terá lido em alguma obra ascética, sobre o pai do deserto egípcio da igreja primitiva, São Macário (200 d.C – 391 d.C): adultos avançam em suas experiências espirituais, passando de feitiços estribados nas quimeras de alguém que pretensamente os teria presenciado a uma inequívoca unção pelo amor divino.

 

De repente, os pais da menina tornam-se como que iluminados ao perceberem a realidade tal como ela é, não como imaginavam que fosse. E o que provoca tal iluminação, mais que uma súplica hierática, é um simples gesto afetuoso de Macário para com a jovem, apondo-lhe a mão sobre a cabeça, abençoando-a, restaurando, assim, a sua dignidade como pessoa humana.

 

O encanto sofrido pela jovem – imaginariamente convertida em pônei – já não se caracteriza como uma transformação da própria jovem, mas uma ilusão, uma fantasia retida pelos olhos de quem a vê. Desse modo, o problema desloca-se do âmbito da magia para o domínio espiritual da luta contra os demônios e o poder da oração contra seus feitiços malignos.

 

J.A.R. – H.C.

 

Thomas Merton

(1915-1968)

 

Macarius and the Pony

 

People in a village

At the desert’s edge

Had a daughter

Who was changed (they thought)

By magic arts

Into a pony.

 

At first they berated her

“Why do you have to be a horse?”

She could think of no reply.

 

So they led her out with a halter

Into the hot waste land

Where there was a saint

Called Macarius

Living in a cell.

 

“Father” they said

“This young mare here

Is, or was, our daughter.

Enemies, wicked men,

Magicians, have made her

The animal you see.

Now by your prayers to God

Change her back

Into the girl she used to be.”

 

“My prayers” said Macarius,

“Will change nothing,

For I see no mare.

Why do you call this good child

An animal?”

 

But he led her into his cell

With her parents:

There he spoke to God

Anointing the girl with oil;

And when they saw with what love

He placed his hand upon her head

They realized, at once.

She was no animal.

She had never changed.

She had been a girl from the beginning.

 

“Your own eyes

(said Macarius)

Are your enemies.

Your own crooked thoughts

(said the anchorite)

Change people around you

Into birds and animals.

Your own ill-will

(said the clear-eyed one)

Peoples the world with specters.”

 

In: “Emblems of a Season of Fury” (1963)

 

O velho e o onagro

(Parid Dule: pintor albanês)

 

Macário e a Pônei

 

Os habitantes de um povoado

À beira do deserto

Tinham uma filha

Que foi transformada, deduziram eles,

Por artes mágicas

Numa pônei.

 

No início, repreenderam-na:

“Por que tens de ser um corcela?”

Ela não conseguia pensar em resposta alguma.

 

Então conduziram-na com um cabresto

Até o mais tórrido deserto

Onde havia um santo

Chamado Macário

Vivendo numa cela.

 

“Pai”, disseram-lhe,

“Esta jovem potra aqui

É, ou era, nossa filha.

Inimigos, homens malévolos,

Mandingueiros, transformaram-na

Neste animal que vês.

Agora, mediante as orações que diriges a Deus,

Vê se logras reconvertê-la

Na menina que costumava ser.

 

“Minhas orações”, disse Macário,

“Nada vão mudar,

Pois não vejo potra alguma.

Por que tratais esta boa mocinha

Como se animal fosse?”

 

Mas ele a conduziu para sua cela

Acompanhada dos pais:

Ali falou a Deus,

Ungindo a menina com óleo.

E quando viram com que amor

Pôs a mão sobre a sua cabeça,

Logo se deram conta.

Ela não era um animal,

Nunca havia se transformado.

Sempre fora uma mocinha.

 

“Vossos próprios olhos”,

(disse-lhes Macário)

São vossos inimigos.

Vossos próprios pensamentos distorcidos

(disse-lhes o anacoreta)

Transformam as pessoas que vos rodeiam

Em pássaros e animais.

É a vossa própria malevolência

(disse-lhes o clarividente)

Que povoa o mundo com espectros.”

 

Em: “Emblemas de uma Estação de Fúria” (1963)

 

Referência:

 

MERTON, Thomas. Macarius and the pony. In: __________. The collected poems of Thomas Merton. New York, NY: New Directions, 1977. p. 317-318.

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