Atraem-me as visões que têm os poetas sobre o que representa a obra e a vida de um outro poeta, a exemplo deste lírico relato sobre o legado de Jorge de Lima (1893-1953), o intitulado “panfletário do caos”: foi assim que, no derradeiro dia de 1961, o poeta paulistano adjetivou o vate das Alagoas, depois de compreender-lhe as composições.
Cada verso do poema faz alusão a pontos determinantes no conjunto da obra de Lima, sempre afeita a honrar os injustiçados do mundo em seus estirados poemas metafísicos, suas abstrações moldadas por um crebro estuo místico ou religioso, deixando transparecer o lado menos serenado de sua própria personalidade.
J.A.R. – H.C.
Roberto Piva
(1937-2010)
Jorge de Lima, panfletário do Caos
Foi no dia 31 de dezembro de 1961 que te compreendi
Jorge de Lima
enquanto eu caminhava pelas praças agitadas pela
melancolia presente
na minha memória devorada pelo azul
eu soube decifrar os teus jogos noturnos
indisfarçável entre as flores
uníssonos em tua cabeça de prata e plantas ampliadas
como teus olhos crescem na paisagem Jorge de Lima e
como tua boca
palpita nos bulevares oxidados pela névoa
uma constelação de cinza esboroa-se na contemplação
inconsútil
de tua túnica
e um milhão de vagalumes trazendo estranhas
tatuagens no ventre
se despedaçam contra os ninhos da Eternidade
é neste momento de fermento e agonia que te invoco
grande alucinado
querido e estranho professor do Caos sabendo que
teu nome deve
estar como um talismã nos lábios de todos os
meninos
Flores: fantasia de prata
(Irini Karpikioti: artista grega)
Referência:
PIVA, Roberto. Jorge de Lima,
panfletário do caos. In: __________. Paranoia. Fotografado e desenhado
por Wesley Duke Lee. 2. ed. São Paulo, SP: Instituto Moreira Salles e
Jacarandá, 2000. p. 83-85.
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