Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 8 de julho de 2021

Aleksandr Blok - Cleópatra

O poeta vai a um museu de cera e lá encontra uma representação de Cleópatra, que jaz em um ataúde de vidro, pondo-se então a elucubrar sobre as contingências pelas quais passou e os motivos que a teriam levado a suicidar-se, deixando-se picar, segundo as narrativas, por uma serpente.

O fato é que a consabida grandeza da rainha nada pôde fazer contra a morte (e o superveniente oblívio): todos são iguais e impotentes nesse momento, independentemente do passado – glorioso, neutro ou indigno – de cada um.

Há suficiente autoironia nos versos de Blok, quando põe nos lábios da afamada rainha egípcia palavras que vêm em seu próprio demérito: “Outrora eu suscitei paixões e lutas. / O que suscito agora? / Um poeta bêbado que chora / E o riso bêbado das prostitutas.”! (rs)

J.A.R. – H.C.

 

Aleksandr Blok

(1880-1921)

 

Клеопатра

 

Открыт паноптикум печальный

Один, другой и третий год.

Толпою пьяной и нахальной

Спешим В гробу царица ждет.

 

Она лежит в гробу стеклянном,

И не мертва и не жива,

А люди шепчут неустанно

О ней бесстыдные слова.

 

Она раскинулась лениво

Навек забыть, навек уснуть

Змея легко, неторопливо

Ей жалит восковую грудь

 

Я сам, позорный и продажный,

С кругами синими у глаз,

Пришел взглянуть на профиль важный,

На воск, открытый напоказ

 

Тебя рассматривает каждый,

Но, если б гроб твой не был пуст,

Я услыхал бы не однажды

Надменный вздох истлевших уст:

 

Кадите мне. Цветы рассыпьте.

Я в незапамятных веках

Была царицею в Египте.

Теперь я воск. Я тлен. Я прах.

 

Царица! Я пленен тобою!

Я был в Египте лишь рабом,

А ныне суждено судьбою

Мне быть поэтом и царем!

 

Ты видишь ли теперь из гроба,

Что Русь, как Рим, пьяна тобой?

Что я и Цезарь будем оба

В веках равны перед судьбой?

 

Замолк. Смотрю. Она не слышит.

Но грудь колышется едва

И за прозрачной тканью дышит

И слышу тихие слова:

 

Тогда я исторгала грозы.

Теперь исторгну жгучей всех

У пьяного поэта слезы,

У пьяной проститутки смех.

 

(10 декабря 1907)

 

Morte de Cleópatra

(Guido Cagnacci: pintor italiano)

 

Cleópatra

 

O museu triste da rainha

Há um, dois, três anos já se abriu.

Bêbada e louca a turba ainda se apinha...

Ela espera no túmulo sombrio.

 

Jaz na sinistra caixa

De vidro, nem morta nem viva.

Sobre ela a multidão saliva

Palavras torpes em voz baixa.

 

Ela se estende preguiçosamente

No sono eterno a que se recolhera...

Lenta e suave, uma serpente

Morde o peito de cera.

 

Eu mesmo, fútil e perverso,

Com olheiras de anil,

Vim ver o lúgubre perfil

Na cera fria imerso.

 

Todos te contemplamos neste instante.

Se essa tumba não fosse uma mentira

Eu ouviria, outra vez, arrogante,

Teu lábio putrefato que suspira:

 

“Dai-me incenso. Esparzi-me flores.

Em eras anteriores

Fui rainha do Egito. Hoje sou só

Cera. Apodrecimento. Pó.”

 

“Rainha! O que há em ti que me fascina?

No Egito, como escravo, eu te adorei.

Agora a sorte me destina

A ser poeta e rei.

 

Da tua tumba não vês que já imperas

Na Rússia como em Roma? Não vês, mais,

Que eu e César, em séculos e eras,

Ante o destino seremos iguais?”

 

Emudeço. Contemplo. Ela não muda.

Só o peito pulsa, quase

Respirando entre a gaze,

E ouço uma fala muda:

 

“Outrora eu suscitei paixões e lutas.

O que suscito agora?

Um poeta bêbado que chora

E o riso bêbado das prostitutas.”

 

(10 de dezembro de 1907)


Referências:

Em Russo

БЛОК, Александр. Клеопатра. Disponível neste endereço. Acesso em: 15 abr. 2021.

Em Português

BLOK, Aleksandr. Cleópatra. Tradução de Augusto de Campos. In: CAMPOS, Augusto de (Seleção e Tradução). Poesia da recusa. São Paulo, SP: Perspectiva, 2006. p. 85-86. (‘Signos’, n. 42)

Nenhum comentário:

Postar um comentário