Partindo da história bíblica das duas mulheres que reivindicam a mesma criança – cuja solução adotada por Salomão teria sido dividir o bebê ao meio para, desse modo, despertar o sentimento imarcescível de proteção na verdadeira mãe –, a poetisa inverte a situação e a problematiza: uma única mãe, reivindicada por duas filhas, uma verdadeira e outra não.
Primeiramente, o dilema levantado somente teria sentido se as duas filhas fossem bastante parecidas, como sósias, para se pressupor a verossimilhança do contratempo suscitado (rs). E, então – segundo a poetisa –, a verdadeira filha, num arroubo desesperado, se disporia a autodestruir-se a ter que suportar sua mãe dividida ao meio, sinal que possibilitaria a esta última descobrir qual das duas é a sua legítima herdeira.
J.A.R. – H.C.
Louise Glück
(n. 1943)
A Fable
Two women with
the same claim
came to the feet of
the wise king. Two women,
but only one baby.
The king knew
someone was lying.
What he said was
Let the child be
cut in half; that way
no one will go
empty-handed. He
drew his sword.
Then, of the two
women, one
renounced her share:
this was
the sign, the lesson.
Suppose
you saw your mother
torn between two daughters:
what could you do
to save her but be
willing to destroy
yourself – she would know
who was the rightful child,
the one who couldn’t bear
to divide the mother.
In: “Ararat” (1990)
O julgamento de Salomão
(William Dyce: artista escocês)
Uma Fábula
Duas mulheres com
a mesma reivindicação
vieram ter aos pés
do sábio rei. Duas mulheres,
mas apenas um bebê.
O rei sabia que uma das
duas estava a mentir.
O que então dissera foi:
“Que se corte a criança
ao meio; assim,
nenhuma daqui se irá
com as mãos vazias”. Ele
desembainhou sua espada.
De pronto, das duas
mulheres, uma
renunciou à sua parte:
tal foi
o sinal, a lição.
Supõe agora
que visses tua mãe
dividida entre duas filhas:
que poderias fazer
para salvá-la, senão estares
disposta a destruir-te
a ti mesma – ela saberia
quem é a legítima filha,
aquela que não suportaria
dividir a mãe.
Em: “Ararat” (1990)
Referência:
GLÜCK, Louise. A fable. In: __________.
Poems: 1962-2012. 1st ed. New York, NY: Farrar, Straus and Giroux &
Ecco, 2013. p. 218.
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