Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 21 de julho de 2021

Louise Glück - Uma Fábula

Partindo da história bíblica das duas mulheres que reivindicam a mesma criança – cuja solução adotada por Salomão teria sido dividir o bebê ao meio para, desse modo, despertar o sentimento imarcescível de proteção na verdadeira mãe –, a poetisa inverte a situação e a problematiza: uma única mãe, reivindicada por duas filhas, uma verdadeira e outra não.

Primeiramente, o dilema levantado somente teria sentido se as duas filhas fossem bastante parecidas, como sósias, para se pressupor a verossimilhança do contratempo suscitado (rs). E, então – segundo a poetisa –, a verdadeira filha, num arroubo desesperado, se disporia a autodestruir-se a ter que suportar sua mãe dividida ao meio, sinal que possibilitaria a esta última descobrir qual das duas é a sua legítima herdeira.

J.A.R. – H.C.

 

Louise Glück

(n. 1943)

 

A Fable

 

Two women with

the same claim

came to the feet of

the wise king. Two women,

but only one baby.

The king knew

someone was lying.

What he said was

Let the child be

cut in half; that way

no one will go

empty-handed. He

drew his sword.

Then, of the two

women, one

renounced her share:

this was

the sign, the lesson.

Suppose

you saw your mother

torn between two daughters:

what could you do

to save her but be

willing to destroy

yourself – she would know

who was the rightful child,

the one who couldn’t bear

to divide the mother.

 

In: “Ararat” (1990)

 

O julgamento de Salomão

(William Dyce: artista escocês)

 

Uma Fábula

 

Duas mulheres com

a mesma reivindicação

vieram ter aos pés

do sábio rei. Duas mulheres,

mas apenas um bebê.

O rei sabia que uma das

duas estava a mentir.

O que então dissera foi:

“Que se corte a criança

ao meio; assim,

nenhuma daqui se irá

com as mãos vazias”. Ele

desembainhou sua espada.

De pronto, das duas

mulheres, uma

renunciou à sua parte:

tal foi

o sinal, a lição.

Supõe agora

que visses tua mãe

dividida entre duas filhas:

que poderias fazer

para salvá-la, senão estares

disposta a destruir-te

a ti mesma – ela saberia

quem é a legítima filha,

aquela que não suportaria

dividir a mãe.

 

Em: “Ararat” (1990)


Referência:

GLÜCK, Louise. A fable. In: __________. Poems: 1962-2012. 1st ed. New York, NY: Farrar, Straus and Giroux & Ecco, 2013. p. 218.

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