O falante dirige-se a uma criança – real ou, talvez, até mesmo assim percebida, ainda que não necessariamente um infante no sentido estrito da palavra –, fazendo-lhe observações sobre a conduta que leva ao amor, resultado inopinado de leis próprias de gravitação capazes de fazer os corpos – quer astros quer simples humanos – atraírem-se.
O amor tanto inebria o(a) amante, que este já não consegue sopesar com precisão sobre aquilo que está à volta – livros, paisagens, céus da Ásia: tem os olhos direcionados tão apenas ao objeto de sua afeição – o(a) amado(a) – e o coração como que anestesiado, sujeitando-se a descer um elevador depressa demais, expondo-se a percalços que a razão, por bem ou por mal, desconsidera.
J.A.R. – H.C.
Jean Cocteau
(1889-1963)
Si tu aimes mon pauvre enfant
Si tu aimes mon pauvre enfant,
Ah! si tu aimes!
Il ne faut pas en avoir peur.
C’est un inéfable désastre.
Il y a un mystérieux système
Et des lois, et des influences,
Pour la gravitation des cœurs
Et la gravitation des astres.
On était là tranquillement
Sans penser à ce que l’on évite,
Et puis tout à coup on ne peut plus,
On est à chaque heure du jour
Comme si tu descends très vite
En ascenseur:
Et c’est l’amour.
Il n’y a plus de livres, de paysages,
De désir des ciels d’Asie,
Il n’y a plus qu’un seul visage
Auquel le cœur s’anesthésie,
Et rien autour.
Templo de Angkor Wat:
Camboja, Sudeste da Ásia
(Autoria não identificada)
Se amas, pobre criança
Se amas, pobre criança,
ah! se tu amas?
Não tenhas medo, não:
é inefável desastre.
Há um misterioso sistema,
e leis e influências
na gravitação das almas
e na gravitação dos astros.
Estás assim, tranquilamente,
sem pensar no que evitas,
e de repente, já não aguentas mais,
é como se a cada instante
descesses bem depressa
de elevador:
e é o amor.
Nem livros mais, nem paisagens,
nem desejos de céus da Ásia.
Sobra aquele rosto – aquele
ao qual se anestesia o coração.
E nada em torno.
Referências:
Em Francês
COCTEAU, Jean. Si tu aimes mon pauvre enfant. Disponível neste endereço. Acesso em: 25 jul. 2021.
Em Português
COCTEAU, Jean. Se amas, pobre criança.
Tradução de Sérgio Milliet. In: MILLIET, Sérgio (Seleção e Notas). Obras-primas
da poesia universal. 3. ed. São Paulo, SP: Livraria Martins Editora, 1957.
p. 426-427.
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