Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 11 de julho de 2021

Auguste Barbier - Londres

Londres, a capital do então dominante império britânico, é objeto de representação nestes versos do poeta e crítico francês: ela nos surge com a imponência de seus palácios e monumentos distribuídos sem muita simetria, embaralhados aos pináculos fumegantes da indústria e dos estabelecimentos comerciais em franca expansão, num cenário que bem sintetiza o lado mais “selvagem” do modo de produção capitalista.

As imagens que descrevem a região portuária e o Tâmisa – para onde fluem “as riquezas do mundo” – são escatológicas: milhares de embarcações sobre uma “maré feia”, o ar venenoso, impregnado de carbono, e a gosma negra do poluído rio dão conta daquele estado de coisas deletério em que se converteu a urbe.

Não sem motivos, foi nessa Londres que Karl Marx (1818-1883) desenvolveu grande parte do seu trabalho, motivando-o a erigir a mais severa crítica à exploração dos operários, crianças e mulheres em especial, pela classe detentora do capital, de sorte que o teor derradeiro dos três últimos versos do poema não são mero entorno da conhecida cizânia franco-inglesa, senão o retrato fiel do que então se exteriorizava ao mundo: “Um povo negro, vivendo e morrendo em silêncio, / Seres aos milhares seguindo o instinto fatal, / E perseguindo o ouro por bem e por mal”.

J.A.R. – H.C.

 

Auguste Barbier

(1805-1882)

 

Londres

 

C’est un espace immense et d’une longueur telle

Qu’il faut pour le franchir un jour à l’hirondelle,

Et ce n’est, bien au loin, que des entassements

De maisons, de palais, et de hauts monuments,

Plantés là par le temps sans trop de symétrie;

De noirs et longs tuyaux, clochers de l’industrie,

Ouvrant toujours la gueule, et de leurs ventres chauds

Exhalant dans les airs la fumée à longs flots;

De vastes dômes blancs et des flèches gothiques

Flottant dans la vapeur sur des monceaux de briques;

Un fleuve inabordable, un fleuve tout houleux

Roulant sa vase noire en détours sinueux,

Et rappelant l’effroi des ondes infernales;

De gigantesques ponts aux piles colossales,

Comme l’homme de Rhode, à travers leurs arceaux

Pouvant laisser passer des milliers de vaisseaux;

Une marée infecte et toujours avec l’onde

Apportant, remportant les richesses du monde;

Des chantiers en travail, des magasins ouverts,

Capables de tenir dans leurs flancs l’univers;

Puis un ciel tourmenté, nuage sur nuage;

Le soleil, comme un mort, le drap sur le visage,

Ou, parfois, dans les flots d’un air empoisonné

Montrant comme un mineur son front tout charbonné;

Enfin, dans un amas de choses, sombre, immense,

Un peuple noir, vivant et mourant en silence,

Des êtres par milliers suivant l’instinct fatal,

Et courant après l’or par le bien et le mal.

 

(1841)

 

Homens do serviço de Relações Exteriores

no Hyde Park

(Kenneth Rowntree: pintor inglês)

 

Londres

 

É um espaço tão grande qu’a andorinha

Demora atravessando-o um dia inteiro;

Montão de monumentos alterosos,

Qu’ao longe turvam a vista ao caminheiro.

 

Chaminés, campanários mil da indústria,

Que fumegam constantes, noite e dia;

Gigantescas fornalhas chamejantes,

Espalhadas sem lei, nem simetria.

 

Erguidos torreões, de flechas góticas,

Que se perdem nos ares, alvejando

Sobre serras enormes de tijolo,

Por entre os nevoeiros flutuando...

 

E um rio inabordável, sinuoso,

Cujas águas assustam e dão passagem,

Sob pontes extensas, sob arcadas,

A milhões de navios em viagem!...

 

Aqui se estendem tendas e oficinas,

Cada qual para mister novo e diverso,

Tão grandes armazéns, que em cujos flancos

É possível caber todo o universo.

 

Marchetado de nuvens sobre nuvens

É sempre o céu ali, sem haver falha.

O sol se ergue através d’um véu argento,

Qual finado envolvido na mortalha!...

 

Às vezes mostra o sol sinal de vida.

Deixa o ar glacial, turvo clarão,

Mas a face qu’ostenta é enegrecida.

Fá-lo negro das forjas o carvão!

 

Nesse dédalo imenso, babilônico,

Vive e morre, em silêncio sepulcral,

Um povo que só corre após o ouro,

Que para tê-lo confunde o bem e o mal.

 

(1841)


Referências:

Em Francês

BARBIER, Auguste. Londres. In: REVUE DES DEUX MONDES. Quatriéme série. Tome IX. Paris, FR: H. Fournier et Ce., 1er. Janvier 1837. p. 265. Disponível neste endereço. Acesso em: 14 abr. 2021.

Em Português

BARBIER, Auguste. Londres. Tradução de Joaquim Serra. In: SERRA, Joaquim (Seleção e Tradução). Mosaico: poesias traduzidas. Parahyba, PB: Tipografia de José Rodrigues da Costa, 1865. p. 11-12.

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